quinta-feira, 27 de agosto de 2009

9- Latrão I

9
PRIMEIRO CONCÍLIO DO LATRÃO
(IX Ecumênico1, segundo Roma)


*(1) A partir do primeiro concílio de Latrão, reunido em 1123, os concílios não foram considerados autenticamente ecumênicos pela totalidade da cristandade, pois só foram convocados pelo sistema católico romano.
O Concílio de Latrão I, foi convocado pelo papa Calisto II e reunido no ano 1123 na basílica de São João de Latrão, uma das maiores de Roma, para resolver a controvérsia das investiduras, a reforma gregoriana do calendário e as indulgências para os que se alistassem nas cruzadas e a Trégua de Deus. Este concílio decidiu que os bispos católicos fossem nomeados pelo papa romano.

Panorama eclesiástico nos tempos do feudalismo

No décimo século, já a igreja, ou melhor, seu governo nicolaíta, converteu-se na prolongação da sociedade feudal, e os prelados eclesiásticos chegaram a ser nomeados pelos senhores feudais, dentre seus próprios adictos; de onde, bispos, abades e sacerdotes que chegaram a possuir terras, deviam ocupar-se de sua administração. Sem dúvida, homens sem sentimentos religiosos e muito menos vocação, escalam as altas hierarquias eclesiásticas com o único objetivo de usufruir seus múltiplos benefícios. A isto a Palavra de Deus chama de nicolaísmo; isto, e a simonia, ou compra de investiduras eclesiásticas ao suserano por parte de ímpios, impregnaram a cristandade de um espírito mundano sem comparação na história. Mas o curioso é que o feudalismo eclesiástico tinha tido sua origem em Roma e seu sistema papal, com as falsas doações de Constantino, logo as de Pepino o Breve, Carlo-Magno e seus sucessores; de modo que o papa também era um senhor feudal, e tudo o que dispõe de algum poder temporário, defende-o até com o uso das armas, como de fato ocorreu no sistema papal romano. Todo esse incontido deslize de imoralidade e corrupção nas esferas eclesiásticas romanas chegou ao cúmulo durante um período chamado "pornocracia romana", nos tempos da famosa Marozia.
Ainda no começo do nono século, a eleição dos papas era feita pelo clero e a nobreza romana, mas condicionada à ratificação dos imperadores franco-germânicos; este último imposto desde o sínodo romano do ano 898, o famoso "sínodo do cadáver", quando o papa João IX (898-900) reivindicou a memória da tristemente célebre papa Formoso (891-896), cujo cadáver tinha sido desenterrado e julgado pelo papa Estevão VI (896-897); de maneira que foi uma época quando se derramou muito sangue papal devido à ambição dos homens, as intrigas políticas, matando uns com outros para escalar uma tão alta posição eclesiástica; mas o mais triste é que dizem que o fazem no nome do Senhor. Inclusive o próprio João IX e seus sucessores foram considerados como intrusos e lobos rapaces; mas não queremos nos ocupar da lista de mortes sangrentas, a não ser destacar que como os imperadores deviam ratificar a eleição dos papas, chegou a ocasião em que imperadores chegassem a depor papas e a colocar anti-papas em seu lugar, e alguns deles foram assassinados pela nobreza romana, pelo fato de serem estrangeiros, tais como Benedito VI (972-974), imposto pelo imperador Otão, e Clemente II (1046-1047), imposto pelo imperador Henrique II, de quem tinha sido capelão da corte. Os grandes nobres romanos acreditavam ter o direito de escolher o papa.
Durante o reinado de Benedito IX (1033-1045,47), por certo um dos papas mais libertinos da história, houve tanta intriga, que durante certo tempo houve três pontífices rivais simultaneamente, cada um com a ostentação da pretendida legitimidade. Gregório VI (1045-1046), no sínodo de Sutri (no qual foi deposto Silvestre III)
confessou que tinha alcançado a sede romana mediante uma boa soma de dinheiro paga a Benedito IX.
Até nas épocas mais obscuras pelas que tem passado a Igreja de Jesus Cristo, é alentador saber que nem tudo foi tenebroso e corrupto. Embora duvidemos, mas como nos tempos do Elias no Antigo Testamento, também nessa época houve verdadeiros e fiéis servos do Senhor, os quais, embora escondidos e incógnitos, estavam inteirados da amarga situação, e clamavam por uma reforma da Igreja.
A reação para o ascetismo que tinha ocorrido com ocasião do matrimônio da Igreja com o mundo a partir de Constantino o Grande, em um intento por reformar as coisas, volta-se a repetir na Idade Média frente às novas incursões de imoralidade clerical, feudalização das altas hierarquias eclesiásticas, o nicolaísmo e a simonia, em uma laboriosa busca de uma forma perfeita de vida cristã. Houve épocas na história em que as pessoas fugiam do mero nominalismo, pensando que podiam ganhar o céu submetendo-se a disciplinas e rigores religiosos; de modo que se multiplicaram os movimentos monásticos, os quais influíram em algumas mudanças na política papal, em especial o do Cluny, ao norte de Lião, França, cuja escola de pensamento se fez sentir sobre tudo com o Hildebrando, um personagem que decididamente teve muita influência sobre o papado e sobre os concílios papais da Idade Média, quem depois de ser conselheiro de muitos papas, chegou à sede pontifícia com o nome do Gregório VII (1073-1085), e se destacou trabalhando para independentizar à igreja do poder temporal; mas se foi a mão, chegando inclusive a colocar aos reis e senhores feudais sob a autoridade papal.
Hildebrando desdobra uma tortuosa política a fim de impor seu domínio sobre o imperador e todos os príncipes europeus. Gregório VII afirmou que cada homem batizado, pelo mesmo fato de sê-lo, converte-se em um súdito do papa romano durante toda sua vida, queira-o ou não, quem pode castigá-lo por cada pecado inclusive com a pena de morte e confisco de bens. Este ardiloso papa, para levar a cabo tremenda transformação de ordem moral, político, religiosa, doutrinal e ritual, além de sua maquinaria (seus monges clunicenses), pôs a funcionar as famosas Decretais pseudo-isidorianas, base fundamental para a reforma gregoriana, de cujos falsos documentos surgem suas vinte e sete pretendidas afirmações, que se conhecem como "Dictatus papæ", das quais destacamos as seguintes:

2. "Que só o seja dito legitimamente universal
3. "Só ele pode depor ou reabilitar aos bispos".
8. "Só ele pode usar as insígnias imperiais".
9. "Ele é o único homem cujos pés devem beijar todos os príncipes".
11. "O título de Papa pertence só a ele (ao bispo romano)".
12. "lhe é lícito depor aos imperadores".
13. "Nenhum capítulo e nenhum livro tem que se ter por canônico sem sua autoridade".
16. "Nenhum sínodo pode ser chamado geral sem sua autorização".
18. "Uma sentença do papa não pode ser anulada por ninguém, mas sim por ele mesmo".
19. "O papa não pode ser julgado por ninguém".
20. "Ninguém se atreva a condenar ao que recorre à a Santa Sede".
21. "As causas de maior entidade de qualquer igreja têm que levar-se ante o tribunal de dita sede".
22. "A igreja romana não errou jamais nem errará".
26. "que não está em paz com a Igreja romana não será tido por católico".
27. "O papa pode relevar aos súditos do dever de fidelidade aos soberanos perversos".

Julgue o leitor se o que escreve e demanda estas coisas pode ser vigário daquele que, não tendo nenhuma pedra para recostar Sua cabeça, disse: "Sabem que os governantes das nações se assenhoreiam delas, e os que são grandes exercem sobre elas potestade. Mas entre vós não será assim, mas sim o que quiser fazer-se grande entre vós será seu servidor, e o que queira ser o primeiro entre vós será seu servo; como o Filho do Homem não veio para ser servido, a não ser para servir, e para dar sua vida em resgate de muitos" (MT. 20:25-28). É curioso que o ponto dois já tinha sido condenado pelo papa Gregório I (590-604), quem tinha afirmado que quem quer chamar-se a si mesmo sacerdote universal, resulta ser precursor do anticristo, pois se coloca por cima de todos outros.

À medida que se foi abandonando a simplicidade do evangelho, foi difundindo entre a cristandade a crença em superstições, até o ponto de chegar ao convencimento (o qual perdurou até o dia de hoje nos meios católicos romanos) de que mediante a adoração de relíquias e a peregrinação a certos lugares da "Terra Santa" que tinham sido cenários da vida e ministério terrestre de Jesus, poderão ter benefícios espirituais especiais. Foi assim como do século V se iniciaram as peregrinações a Palestina, com o convencimento de que quem morria durante essa viagem, esse fato ganhava o céu; daí as grandes multidões que se dirigiram a Palestina no discorrer dos séculos.
Ao surgir o Islã, e em particular a irrupção dos turcos, essas peregrinações se impossibilitaram. Foi assim como foi impactante e decisivo o chamado às Cruzadas lançado pelo papa Urbano II (1088-1099) (rival e contemporâneo do papa Clemente III) no século XI, o qual foi respondido pelas massas feudais com o famoso "Deus o quer". Com as Cruzadas, o papa, além de resgatar os lugares Santos, obtinha um pretexto para formar uma frente comum contra os muçulmanos e de passagem canalizar o "ardor" religioso e unificar a cristandade ocidental, que na ocasião sangrava em luta fratricida, em um continente "cristão", aonde até o próprio papa romano houve épocas de dispor de um exército regular. Para animar tanto aos príncipes europeus como a suas gentes a que se alistassem a matar a seus semelhantes em nome da verdadeira fé, o papa mesmo se encarregava de arengá-los, lhes prometendo o perdão dos pecados e o céu . De maneira que em Clermont, Urbano II inventou o assunto das indulgências, que tanto dano tem feito à humanidade. Uma síntese de suas arengas pode ser: "Se aqueles que forem à cruzada perdem a vida durante a viagem, na terra ou no mar, ou em alguma batalha contra os pagãos, seus pecados serão perdoados. Concedo-o pelo poder que Deus me deu. A um lado os inimigos de Deus; ao outro seus amigos". É triste registrar que por ordem do suposto representante de Deus, em 1099, Jerusalém foi tomada por estes cruzados, e quase todos seus habitantes foram passados à espada, fossem muçulmanos ou cristãos do Oriente; e os sacerdotes cristãos gregos, coptos e sírios que guardavam os Santos Lugares sofressem horríveis tortura a fim de que revelassem onde se encontrava a verdadeira cruz onde foi crucificado o Senhor.
depois de muitos anos de lutas e intrigas entre os nobres, o imperador e o papado romano, com antipapas a bordo, sobre tudo pelo relacionado com o assunto das investiduras secular dos bispos, duvidosas e até espúrias eleições dos papas e imposição de rivais, por fim, e depois da convocatória de muitos sínodos, foi assinada a paz mediante uma concordata assinada em uma assembléia reunida na cidade de Worms, em 23 de setembro do ano 1123; e para confirmar solenemente esses acordos, o papa francês Calisto II (1119-24) convocou o Concílio de Letrão, reunido em 15 de março de 1123. Ao subir ao pontificado, o papa Calisto II revogou a concessão de investidura laica concedida ao imperador Henrique V, o que tinha originado uma série de disputas, mas já assinado a Concordata, soleniza-se no Concílio.

O concílio

Fazendo um pouco de história registramos que o templo de São João de Letrão é uma das cinco basílicas patriarcais de Roma, construída pelo imperador Constantino no ano 324 junto ao palácio de Letrão da antiga Roma, e que foi de propriedade da família de Constantino, o qual, conforme a falsa "Doação de Constantino", este doou para que fosse a sede do bispo de Roma, o qual se deu durante uns dez séculos.
A partir do presente Concílio ecumênico de Letrão, estas grandes assembléias foram convocadas e controladas pelo papado romano, de maneira que até o Concílio Vaticano II se trata de concílios papais em todo o rigor da palavra. Hildebrando, apoiado nas Decretais pseudo-Isidorianas, acabou com os concílios soberanos, e não é um segredo que os concílios medievais eram meramente uns conselhos, pois quem na verdade legislava era o papa.
No primeiro Concílio de Letrão se ratificaram os documentos da Concordata de Worms. O imperador renunciou ao direito de investidura, reconciliou-se com a igreja e devolveu as regalias expropriadas. A Igreja Católica Romana restaurou sua liberdade para a eleição e consagração de seus prelados. Proibição da simonia e o concubinato dos clérigos.
Foi proibida a intromissão laica nos assuntos eclesiásticos. Tenha-se em conta que nesse tempo já estava bem enraizado o nicolaísmo e a divisão da igreja entre clero e laicos, de maneira que se tinha consolidado a idéia de chamar "igreja" ao sistema dominado pelo clero. Diz a Palavra de Deus que na Igreja do Senhor todos somos sacerdotes.
"4 Chegando-vos para ele, pedra viva, desprezada certamente pelos homens, mas para Deus escolhida e preciosa, 5 vós também como pedras vivas, sede edificados como casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por meio de Jesu Cristo. 9 Mas vós sois linhagem escolhida, real sacerdócio, nação Santa, povo adquirido Por Deus, para que anunciem as virtudes daquele que lhes chamou das trevas à sua luz admirável" (1 Pedro 2:4-5,9).
A respeito das cruzadas, aprovou-se a remissão de penas temporárias aos que se alistassem para a "guerra Santa contra os infiéis", garantiam-lhe seus bens e família, mas castigavam a quem se negasse a cumprir seus votos de ir resgatar o Santo Sepulcro e outros lugares. Com isto se aprovou um método de "evangelização" muito distante do ordenado pelo Senhor, o Príncipe de Paz, pois a piedade medieval não dependia nem se alimentava da vida do Espírito, verdadeiro vigário de Cristo, mas sim das relíquias impostas pelo sistema de um falso vigário. Tenha-se em conta que a Palestina era o manancial das relíquias, onde supostamente se encontravam os objetos "sagrados" relacionados com o Senhor e Seus mártires.
O partido gregoriano e o espírito cluniacense predominantes neste concílio, estiveram longe de arrumar a rivalidade imperante entre as duas forças que regiam a vida na Idade Média: a Igreja e o Estado, pois as doutrinas gregorianas propugnavam pela supremacia do papado sobre outros poderes. Os leigos não poderão dispor das propriedades eclesiásticas, mas os bispos e o papa seguiriam gozando de seus privilégios e regime feudal, o qual gera novos enfrentamentos posteriores.Com este Concílio se inicia uma nova modalidade canônica: Os cânones conciliares não foram decretados pela assembléia de bispos mas sim pelo papa. Por fim a cristandade ocidental caía inteiramente em mãos do papado romano, e em cujas assembléias "ecumênicas" os bispos eram umas meros bonecos, e a política gregoriana coroava um grande triunfo. O catolicismo romano tinha obtido a completa submissão da autoridade civil à eclesiástica. Ficaria resolvido o consuetudinário enfrentamento entre o papa romano e o imperador?

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

8 - Constantinopla IV

CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA IV
(VIII Ecumênico)



Este oitavo concílio ecumênico foi reunido em Constantinopla no ano 868 - Convocado pelo imperador Basilio; e celebradas suas sessões na basílica da Santa Sofia.

Panorama histórico


Em pleno desenvolvimento do século VIII, já avançada a idade Média, as mudanças políticas na Europa eram muito complexas; afiançou-se o indiscutível domínio papal no Ocidente. devido a que o papado via um perigo no poderio dos lombardos no sul da Itália, o papa Zacarias (741-752), em procura de ajuda e amparo, estreitou relações com o reino dos francos, legitimando a coroação do Pepino o Breve, quem tinha destronado ao último rei da dinastia merovíngia, constituindo-o em protetor de Roma. Breve, e em troca do respaldo recebido, Pepino cedeu ao papado os territórios invadidos do Encharcado grego e a Pentápolis, arrebatados à ocasião aos lombardos, plantando deste modo a semente dos posteriores Estados Pontifícios.
A aliança franco-papal obviamente era mau vista no Oriente, mas isso não foi obstáculo para que em 25 de dezembro do ano 800, o papa Leão III coroasse em Roma a Carlo-Magno, filho primogênito do Pepino o Breve, como Imperador do Ocidente, feito que foi considerado por Bizâncio como uma traição, vendo em Carlos I a um impostor.
Tudo isso ia constituindo fortes raízes para o rompimento entre o Oriente e Ocidente. Recorde-se que com Carlo-Magno o cesaropapismo recebeu uma forte pancada nas costas, se tivermos em conta que ele, apoiando-se no livro "Do Civitate Dei" (A Cidade de Deus), de Agustinho de Hipona, considerava seu Império como um Estado divino, no qual ele era a cabeça.
Da concepção destes poderes, o imperial e o papal, aliados mas no fundo opostos e impulsionados por suas respectivas ambições, desprende-se a variabilidade de sua conflitiva coexistência. Quem manda na cristandade feita Estado? Quem manda no Império, se depois do imperador existe um poder papal que coroa os imperadores do Ocidente?
Os territórios dos Estados Pontifícios foram generosamente alargados com a doação que Carlo-Magno fizesse ao papa Adriano (772-795), aumentando a hegemonia papal sobre o Ocidente do continente europeu. quanto mais incrementava o papa romano seu poder temporário e jurisdicional, quanto mais minguava seu caráter espiritual, pois era tanta a desorientação reinante e o desconhecimento da economia de Deus, que a vida religiosa chegou a ser controlada pelo poder civil, e a nomeação de arcebispos por parte de Carlo-Magno e seus sucessores degenerou em que surgissem Igrejas feudais e arcebispais.
Daí que os bispos começaram a procurar a maneira de sacudir-se daquelas ingerências seculares, e apelaram a Roma; mas se tropeçaram com que ainda no século IX Roma carecia dos instrumentos jurídicos adequados para respaldar essa posição, pois ainda não estava clara a jurisdição de Roma sobre as demais Igrejas do Império.
Mas os gênios do romanismo resolveram remediar isso inventando uns falsos documentos chamados historicamente "Fraudes pios" ou "Doações pias", ou "Pseudo-decretais" chamadas isidorianas, dentro dos quais se encontrava a "Doação do Constantino"*(1), por meio dos quais o papa romano tinha perpétuo direito sobre a cidade de Roma e todas as províncias, distritos e cidades da Itália e do Ocidente.
*(1) Remeto ao leitor a meu livro "A Igreja de Jesus Cristo, uma perspectiva histórico profética", capítulo IV, Tiatira. Ali encontrará mais ampla informação sobre as famosas fraudes pios.
O objetivo principal destas fábulas tidas por documentos autênticos, era assegurar a posição dos bispos e do clero, guardando-os da intromissão dos laicos; mas os próprios bispos que tinham apelado a Roma e tinham aceito as fraudes pios, tarde já se deram conta que tinham sido vítimas de seu próprio invento, pois o terrível jugo imposto por Roma, resultou pior que o dos reis e príncipes feudais.*(2)
*(2) O poeta italiano lhe Dante Alighieri, mesmo desconhecendo a falsidade destes documentos, diz em seu famoso livro A Divina Comédia, "Inferno", canto XIX: "Ah, Constantino! A quantos males deu origem, não sua conversão ao cristianismo, a não ser a doação que de ti recebeu o primeiro papa que foi rico!"

Estes bispos ignoravam o poder absoluto dos papas, o qual achou legitimação nas falsas Decretais, estabelecendo-se definitivamente a supremacia espiritual e temporal dos papas sobre todos os bispos e governantes seculares da cristandade, convertendo-se assim Roma no verdadeiro centro da cristandade medieval.

Antecedentes


A imperatriz Teodora, na ocasião regente de seu filho Miguel III, nomeou a Ignácio como patriarca de Constantinopla; mas a integridade moral deste me chocava com as manobras e a conduta dos cortesãos, em especial com Bardas, o desenfreado tio do monarca, a quem Ignácio negou a comunhão, sucesso pelo qual foi destituído o patriarca no ano 858, e substituído por Fócio, um nobre elevado à fila patriarcal do cargo civil de chanceler imperial; para o qual, em uma semana escalou todos os cargos hierárquicos eclesiásticos. Como conseqüência se dividiu o clero bizantino entre partidários de Ignácio e partidários de Fócio, com as sabidas perseguições e destituições dos bispos amigos de Ignácio, circunstância que levou a reunir um sínodo em Constantinopla no ano 861, a fim de esclarecer as coisas, ao qual assistiram representantes do bispo de Roma.
Embora Fócio teve eventualmente o apoio romano para permanecer no cargo, entretanto tinha muito presente que devia encarar-se com as pretensões do papado. Para esse tempo as rivalidades entre Roma e Bizâncio, com suas poderosas e atrativas influências religiosas, rituais e políticas, já pareciam irreconciliáveis. Fócio foi repudiado e condenado pelo papa Nicolau I (858-867) e um sínodo romano do ano 863, papa que apelava às falsas Decretais Isidorianas para impor sua soberana vontade. O imperador seguia respaldando a Fócio, e a sua vez convocaram um sínodo em Constantinopla no ano 867, que sob a presidência de Fócio, condenou a Nicolau I, acusando-o sobre tudo de falsificação do credo niceno, aduzindo que os latinos tinham introduzido no Credo a palavra "Filioque" (e do Filho), no sentido de que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho.
Mas as coisas deram uma volta em Bizâncio, pois Fócio, já sem seus amigos mais influentes na corte, viu-se obrigado a renunciar devido a que emerge Basílio o Macedônio (867-886) e chega ao poder imperial após assassinar a Bardas e mais tarde a Miguel III, voltando Ignácio à sede patriarcal.

O concílio

Basilio, o novo imperador, ficou de acordo com o novo papa, Adriano II (867-872), a fim de convocar um concílio, mas com a condição papal de que os legados romanos presidissem as sessões; mas o mais grave do assunto foi que o papa exigiu que toda a assembléia conciliar assinasse um escrito dele, o "Liber satisfaccionis", o qual confirmava o primado da sede romana.
Com escassa assistência, este concílio iniciou suas reuniões em 5 de outubro do 868 até em 28 de fevereiro do seguinte ano, na basílica Hagia Sophía (Santa Sofia). Seus principais acordos se podem resumir nos seguintes:
- Foi condenado Fócio, em sua presença.
- À tradição eclesiástica e ditos patrísticos foi concedido a mesma autoridade que a Palavra de Deus transmitida pelos Apóstolos.
- Foi ratificada a legitimidade do anti-bíblico culto às imagens, anatematizando ao que não o fizesse.
- Este concílio definiu que nenhum capitalista do mundo removesse de sua sede aos patriarcas, principalmente ao papa romano, e seguindo a ordem, aos de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém.
- Estabelece, no cânon 21, a superioridade do concílio sobre o papa.
Como vemos, a convocatória, desenvolvimento e acordos deste concílio têm um transfundo eminentemente secular. O homem, ao apartar-se cada dia mais de Deus, por muito eclesiástico que seja, como muito representante de Deus que pretenda ser, atua impulsionado por sua natureza caída; e daí que, sem a intervenção da vontade de Deus e muito longe dos princípios bíblicos, nomeiem e condenem muitas vezes a um patriarca Fócio, tenham a autoridade da Palavra de Deus ao mesmo tempo que os ditos e tradições dos homens, se esquecem de adorar a Deus e obriguem a outros sob anátema a adorar às imagens, e cuidem de que ninguém os deponha de seus elevados postos, cargos de linhagem inventados pelos próprios homens.
Pela Palavra de Deus, sabemos que o Senhor aborrece o nicolaísmo. "Mas tem isto, que aborrece as obras dos nicolaítas, as quais eu também aborreço". Diz à igreja em Éfeso em Apocalipse 2:6, quando os nicolaítas começavam a obrar, mas logo vemos no versículo 15, que essas práticas se converteram em doutrina, e o Senhor diz à igreja em Pérgamo: "E também tem aos que retêm a doutrina dos nicolaítas, a que eu aborreço". Infelizmente o nicolaísmo continuou até nossos dias e se tornou um câncer na cristandade moderna.

Rompimento entre o Oriente e Ocidente


Apesar de ter sido anatematizado, Fócio obteve a amizade com o novo imperador e com o Ignácio, a quem aconteceu na sede patriarcal de Constantinopla depois da morte deste em 877; e para que sua pessoa fosse totalmente reivindicada, convocou um novo sínodo em Constantinopla. O papa João VIII (872-882), enviou representantes a este sínodo, e reconheceu a Fócio, em troca de que os missionários bizantinos abandonassem a Bulgária em favor dos de Roma.
Este sínodo reconheceu a Fócio como legítimo patriarca bizantino. Os legados papais repudiaram a atitude que tinha tomado o anterior papa Adriano II respeito de Fócio; mas se iniciou um irreversível divórcio entre a cristandade oriental e a ocidental, mais se se tem em conta que as "Decretais pseudo-isidorianas" foram impugnadas no Oriente desde um princípio. depois disso seguiu um possante desenvolvimento da cristandade oriental com sua expansão na Bulgária, Rússia, os países Bálticos, e até no sul da Itália, frente a uma cristandade latina temporalmente adoecida, devido ao embate dos muçulmanos e a debilidade de seu aliado, o império carolíngio dos francos; de maneira que sobreveio a ruptura formal entre Roma e Constantinopla já entrado o século XI.
Todas essas rivalidades e ciúmes se consolidaram nos tempos do papa Leão IX (1048-1054), enquanto que no Oriente o patriarca era Miguel Cerulário, quem se opôs a Roma. Por um lado o papa ataca os costumes do clero oriental, sobre tudo porque se casavam, em tanto que Cerulário era um ciumento defensor da liberdade da Igreja, tanto frente ao Estado como do papado romano. Isto lhe valeu o desterro e a morte. além das que viemos insistindo ao longo dos capítulos anteriores, as causas da ruptura total e definitiva das cristandades bizantina e a latina, não obedecem histórica e teologicamente a causas fundamentais, de peso, a não ser a rudimentares pareceres e nimiedades, tais como que o clero ocidental se fazia a barba e os popes orientais não, assuntos sobre o dia de jejum, o comer certas carnes, o uso do pão ázimo na eucaristia, e outras coisas pelo estilo.
Como Cerulário se negasse a aceitar o primado romano, apoiado na espúria "Doação de Constantino", o papa Leão IX enviou a Constantinopla uma bula de excomunhão, a qual foi colocada no altar da Basílica da Santa Sofia, em 16 de julho do ano 1054. Com este gesto, Roma renuncia a até aí verdadeira expressão de catolicidade da Igreja, e inaugura a época de catolicidade romana. Como resposta, Miguel Cerulário e com ele a cristandade oriental, ao ano seguinte celebraram um sínodo que se encarregou de excomungar a sua vez ao papa Leão IX; e cada uma dessas facções da cristandade mutuamente se seguiram considerando cismáticas. Tenha-se em conta que Miguel Cerulário também abrigava sérias aspirações de um papado oriental. Essa mútua excomunhão desses líderes do catolicismo romano e a ortodoxia oriental protocolizou o que historicamente se conhece como o Cisma do Oriente, divisão que perdura até hoje, e que causou até derramamento de sangue.

Outras conseqüências

Pese a todas as dificuldades, controvérsias, enganos e baixezas, até aqui se havia buscado o entendimento e a unanimidade no reconhecimento dos concílios ecumênicos que de algum jeito expressavam a vida da Igreja universal antiga. Depois do rompimento definitivo, já em plena Idade Média, Roma só tem como ecumênicos seus próprios sínodos; de maneira que os que se seguem os continuamos comentando com essa condição, devido a que revestem especial interesse pelo processo geral de corrupção da verdade evangélica, e pelo desenvolvimento da cristandade ocidental que corresponde a todos. A palavra profética na própria Bíblia nos descreve como se prostituiu o povo de Deus com os gentis, e vemos na história como Deus começa a trabalhar para restaurar a Sua Igreja a partir da Reforma. Todos os concílios tidos por Roma como ecumênicos repercutem até dentro do protestantismo, e ao analisá-los se esclarecem as raízes, causas e origens de muitas das práticas que o povo tem como autênticas de Deus, dentro e fora do catolicismo romano.
Por outra parte, nos momentos atuais o processo de restauração da Igreja bíblica transcende os limites do protestantismo histórico, pois este não alcançou a encher as expectativas bíblicas da autêntica Igreja do Senhor Jesus Cristo; de maneira que foi apenas um elo. Faz já quase duas centúrias que o Senhor tirou do protestantismo um cristianismo de vanguarda, que expressa a autêntica comunhão e unidade do Corpo de Cristo, onde só Ele é a Cabeça.
Note-se que até aqui, todos os concílios ecumênicos foram realizados no Oriente, cuja cristandade quer ser a guardiã da fé antiga, a ortodoxa; não assim Roma, cheia de cartas e escritos papais, com suas falsas decretais a bordo, que deram ao papado as bases canônicas para erguer-se durante séculos sobre toda a cristandade ocidental; de maneira que seguimos falando do desenvolvimento de uma cristandade no cativeiro babilônico, onde tudo estava impregnado do romano, da qual Deus seguiu trabalhando para tirar sua Igreja do cativeiro.
Então a partir daqui entramos plenamente no período católico romano, pois Roma, livre já de toda crítica e oposição, com um respaldo político diferente do imperador de Constantinopla, como é o dos imperadores carolíngios dos francos, encontrava-se já em pleno poder e faculdade para desenvolver uma monarquia universal do papado romano. Agora a cristandade ocidental perde seu sentido católico, girando para o romano. Com o tempo no Ocidente se confunde o católico com o romano, e tudo deve girar ao redor de um personagem que, entre seu muitos títulos, adotou-se o de "Vigário de Cristo", e as pessoas crêem, pois nessa época, muito mais que agora, ignorava-se em geral o conteúdo bíblico do evangelho e muito pouco se sabia da pessoa do Senhor Jesus, de Sua obra, de Seu ministério, pelo que tem feito por nós, de que o verdadeiro Vigário de Cristo é o Espírito Santo. Mas o Senhor esteve trabalhando incansavelmente para restaurar as coisas. A construção da casa do Senhor seguiu seu curso; e oportunamente o Senhor começou a levantar apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, que edificassem aos Santos "para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo".

sábado, 8 de agosto de 2009

7- Nicéia II

7
SEGUNDO CONCÍLIO DE NICÉIA
(VII Ecumênico)



Este sétimo concílio ecumênico foi reunido em Nicéia no ano 787 - Convocado por Irene, a imperatriz regente. Sancionou o culto às imagens; ou seja, declarou a legitimidade de dar reverência a quadros e imagens que representassem realidades divinas.

Antecedentes

Ao começo do século VIII, significou uma época crucial para o Império Bizantino, pela abrupta irrupção dos exércitos muçulmanos; mas quando estes assediavam nas próprias portas de Constantinopla; sobe ao poder imperial Leão III (717-740), da dinastia isáurica, salvando assim à capital do império, devolvendo a Este o prestígio perdido, e reconquistando muitos territórios que tinham sido tomados pelos árabes. Este mesmo impulso reconquistador foi retomado por seu sucessor Constantino V (740-775), quem chegou até as mesmas margens do rio Eufrates, nos limites das antigas terras mesopotâmicas.

Pelas atas do concílio da Elvira (Espanha), sabe-se que o cristianismo antigo, pós primitivo, era adverso ao culto e adoração às imagens religiosas, mas ante a decadência da cristandade a partir de Constantino o Grande, se foi introduzindo esse costume devido à influência pagã; mas como resultado das invasões e da influência dos muçulmanos, ao parecer inimigos da idolatria, surgiu um movimento iconoclasta, e foi quando o imperador Leão III, oriundo da Anatólia, menos dado à idolatria que os gregos, compreendeu o justo das brincadeiras dos infiéis, e dentro do pacote de suas reformas imperiais, introduziu a proibição do culto das imagens no ano 730, e aquilo durou por mais de um século, situação conhecida na história como a controvérsia das imagens. Terá que reconhecer que o cristianismo gradualmente se foi transformando, de tal maneira que seus elementos originais já na idade Média era difícil reconhecê-los; e não é de sentir saudades que, por exemplo, o genuíno arrependimento chegasse a degenerar-se em penitência, a ceia do Senhor, converteu-se em um sacrifício expiatório devotado por um sacerdote terrestre, com o estranho poder de salvar a vivos e a mortos, rito que até hoje chamam missa, termo do latim, que significa reunião. Então, imagine o leitor aquela situação.

Maomé, o originador do islamismo tinha conhecido os textos do Antigo Testamento; ele sabia que era descendente de Abraão pela linhagem de Ismael, ele conhecia os textos de Moisés incluído o Decálogo onde está proibida a idolatria; pela leitura do Novo Testamento, Maomé sabia a respeito de Jesus de Nazaré, e estava contra a adoração das imagens, e seus seguidores se encontram um cristianismo decadente e idolátrico, o qual sem dúvida é o alvo das brincadeiras do islamismo. A tal ponto conhecia Maomé a Bíblia, que para ele a revelação de Deus no mundo é progressiva e reconhece seis fases ou graus nela: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus e, é obvio, Maomé. É inegável que os árabes tinham sido idólatras antes do islamismo. A Meca, antes do advento da religião iniciada por Maomé, era um verdadeiro panteão de divindades árabes, mas ao surgir o Corão, o islamismo consolidou a adoração só a Alá, que eles por tradição desde antigo já conheciam como o pai de todos os deuses, e a quem os peregrinos já vinham adorando em uma pedra negra que era guardada dentro de um edifício, a Caaba. Mas, o que diz a Palavra de Deus? Diz em Êxodo 20:3-6:

"3 Não terá deuses alheios diante de mim. 4 Não te fará imagem, nem nenhuma semelhança do que está acima no céu, nem abaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. 5Não se inclinarás a elas, nem as honrará; porque eu sou Jeová seu Deus, forte, ciumento, que visito a maldade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me aborrecem, 6 e faço misericórdia a milhares, aos que me amam e guardam meus mandamentos".

"Não farão para vós ídolos, nem escultura, nem porão em sua terra pedra grafite para lhes inclinar a ela; porque eu sou Jeová seu Deus" (Levítico 26:1).

"15 Guardai, pois, muito suas almas; pois nenhuma figura viram o dia que Jeová falou convosco no meio do fogo; 16 para que não lhes corrompam e façam para vós escultura, imagem de figura alguma, efígie de varão ou fêmea, 17figura de animal algum que está na terra, figura de ave alguma alada que voe pelo ar, 18figura de nenhum animal que se arraste sobre a terra, figura de peixe algum que haja na água debaixo da terra. 19Não seja que eleve seus olhos ao céu, e vendo o sol e a lua e as estrelas, e todo o exército do céu, seja impulsionado, e incline a eles e lhes sirva; porque Jeová seu Deus os concedeu a todos os povos debaixo de todos os céus" (Deuteronômio 4:15-19).

"portanto, amados meus, fujam da idolatria" (1 CO. 10:14).

Como é de supor, a política religiosa do imperador Leão III teve seus opositores, em especial entre os monges, dados como eram às representações religiosas (ídolos e imagens), e com eles o povo supersticioso e quase pagão. Um desses monges que liderava essa oposição foi João Damasceno, quem escreveu três apologias em favor do culto das imagens, aonde, por exemplo se podem ler as seguintes palavras: "Não corresponde ao Imperador fazer leis para reger à Igreja. Os apóstolos pregaram o evangelho; o monarca deve cuidar do bem-estar do Estado; os pastores e mestres se ocupam da Igreja". É certo o que escreve aqui o monge; mas, a Igreja mesma, ao aceitar a união com o Estado, não perdeu o direito de usar este argumento?
Apesar de tudo isto, o imperador seguiu sua política iconoclasta, e seus soldados destruíram toda sorte de esculturas e quadros, coisa que também serve de pretexto para frear o crescente poder dos ricos monastérios, e sujeitar à Igreja sob o poder do Imperador. A isto seguiram as lutas opositoras tanto de monges como do desorientado povo e até pelo mesmo patriarca Germano de Constantinopla. Muitos deles foram executados, deposto o patriarca iconólatra e substituído pelo iconoclasta Atanásio. Em Roma, o papa Gregório III (731-741) em oposição à política do imperador, convocou um sínodo romano no ano 731 ao que assistiram 93 bispos, decretando que em diante o que destruísse ou injuriasse imagens de Cristo, de Maria ou dos apóstolos e demais Santos seria excomungado.
Constantino V (741-775) sucedeu a seu pai Leão III no trono imperial, e em seu zelo iconoclasta convocou um concílio em Hieréia no ano 754, com a assistência de 300 bispos, quem apoiado nas Escrituras e a tradição patrística, condenaram o culto às imagens, deixando por sentado que os únicos símbolos do culto cristão se acham representados no pão e o vinho da ceia do Senhor, e de passagem denunciaram a tendência ariana ou nestoriana que implicava representar só a natureza humana de Jesus Cristo. devido a que isto encontrou forte oposição em Roma e o posterior triunfo da iconolatria no segundo concílio de Nicéia, este concílio da Hieréia não teve aceitação ecumênica. Como conseqüência dos decretos imperiais e a imposição à força dos acordos do concílio de Hieréia, os templos e monastérios do Império foram despojados de imagens e ícones, às vezes com o uso da violência. A verdade é que a um idólatra não lhe libera da idolatria lhe arrebatando e lhe destruindo seus ídolos; isso traz conseqüências adversas. Essa sanidade deve começar no coração, que em última instância é de onde sai toda a maldade, e esse trabalho de substituição da adoração aos ídolos pela adoração ao Deus vivo, só o faz o Senhor mediante Seu Espírito e pela obra de Seu Filho Jesus Cristo.
A política do imperador Leão IV (775-780), filho e sucessor de Constantino V, foi de mais tolerância, acredita-se que pela influência de sua esposa Irene, quem se inclinava para a adoração de ícones. À morte do imperador Leão IV no ano 780, Irene, sua viúva, teve a oportunidade de governar em qualidade de regente no trono de seu filho menor Constantino VI (780-797).

O concílio

Irene destituiu ao patriarca de Constantinopla e em seu lugar elevou a Tarásio ao patriarcado, quem vinha desempenhando-se como oficial civil; de maneira que teve que fazer os votos monásticos e ser ordenado sacerdote antes de ser eleito para ocupar a vacância no patriarcado. Com um patriarca surto dessa maneira, Irene bem podia empreender a restauração do culto das imagens no Império; e para isso decidiram convocar um concílio em Constantinopla em 786, mas encontraram a férrea oposição da guarda imperial, quem conseguiu dissolver a assembléia reunida na Basílica dos Apóstolos. Para livrar-se dessa oposição, teve que depurar o exército, e conseguiu inaugurar o concílio em 24 de setembro do ano 787, mas na cidade de Nicéia, aonde os bispos iconoclastas não tiveram representação. O papa romano Adriano I (772-795) não assistiu a este concílio, mas mandou seus legados, e a assembléia se considerou pelo sistema católico romano como o sétimo concílio ecumênico. O número de bispos assistentes superava os trezentos e cinqüenta.
Em substituição do imperador, foi Tarásio quem presidiu as reuniões do concílio, interessando-se por normalizar as relações entre essa facção da igreja e o Estado, a fim de que o patriarcado fosse reconhecido como autoridade suprema no relacionado com os dogmas, além de que se concedesse ao imperador autoridade tanto no relacionado com as leis eclesiásticas como na administração.

Restauração do culto à imagens

O segundo concílio da Nicéia tinha como objetivo anular as decisões do sínodo da Hieréia e condenar todos os decretos iconoclastas; estabeleceu o culto das imagens, aprovou o uso dos ícones, fomentou a idolatria e a superstição. Deste modo proibiu a nomeação de bispos pelo poder laico. Para justificar a adoração das imagens, os bispos conciliares pretextaram, entre outras coisas, que a Escritura era insuficiente a respeito. Este concílio condenou, acusando-os de "sacrílegos hereges", a todos os que consideravam as imagens "cristãs" como simples ídolos, e estabeleceu, bizantina e sutilmente, a enganação de que a Deus se rende culto de "latría", e aos Santos de "dulía"*(1).
* (1) Palavra tirava do verbo grego "douleno", servir

Conseqüências

Apesar de que Roma tinha avalizado as decisões aprovadas em Nicéia, o que seguiu foi que o aprovado por este concílio não teve imediata aceitação universal, pois muitos setores eclesiásticos do Oriente continuavam aderidos a suas convicções iconoclastas, e Ocidente se levantou contra a veneração de imagens. No Ocidente os papas tinham aprovado o uso de ícones, mas havia setores que, embora admitindo as imagens, negavam-se às venerar, reprovando as decisões do Concílio da Nicéia. Assim continuou por algum tempo a resistência entre os favorecedores dos ícones e imagens, por uma parte, e os iconoclastas, pela outra.
Carlos Magno (742-814), primeiro imperador do restaurado Império Romano do Ocidente, opôs-se às decisões do concílio de Nicéia em um escrito teológico, "Libri Carolini". Incidentalmente um sínodo ou anti-concilio reunido em Frankfurt e convocado pelo imperador Carlos Magno em 794, com a assistência de trezentos bispos ocidentais, incluídos dois representantes papais, condenou o decreto do concílio de Nicéia de 787 pelo qual permitiam coletar reverência às imagens, considerando de passagem dita assembléia não como um concílio ecumênico, a não ser simplesmente como uma reunião dos bispos gregos. Este sínodo pediu ao papa Adriano I que excomungasse aos bispos participantes em Nicéia, mas o papa soslaiou o assunto enredando-o tudo com sutis distinções entre "veneração" e "adoração". Diz em Mateus 16:24:
"Então Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome sua cruz, e me siga".
No versículo anterior a Escritura fala de levar a cruz, não de adorá-la. Na prática religiosa, quem costuma adorar a cruz, é inimigo de levá-la para morte do ego carnal. Mas não se trata da religiosa costume de carregar uma cruz metálica ou de madeira pendurada no peito. A cruz de Cristo não é ostentação de algo objetivo, a não ser a obediência subjetiva, e a morte ao mundo, ao pecado, à carne e ao eu. Mas ao final, Roma terminou impondo toda sorte de idolatria e superstição, porque seu destino era converter-se na grande prostituta.
Como nesses tempos a região nortenha da Itália ainda não tinha acatado a hegemonia papal, é meritório de se mencionar que na época carolíngia, Luis o Piedoso, sucessor de Carlos Magno, nomeou bispo de Turim ao espanhol Claudio (morreu em 839), famoso pregador, quem reprovou energicamente a veneração de ídolos, da cruz e a prática de solicitar a intercessão dos Santos; enfatizava a importância da devoção espiritual e a consagração pessoal a Deus. Crítico acérrimo da instituição papal, declarou que não deve ser chamado apostólico o que se sinta na suposta cadeira do apóstolo, a não ser o que faz a obra de um apóstolo. Em toda essa região do Piamonte perduraram testemunhas fiéis da ortodoxia bíblica, sem que se poluíssem de idolatria nem de papismo, virtuosa semente que ia germinando até que séculos mais tarde esta verdade entroncara com o movimento dos sofridos valdenses.depois de Irene, em Bizâncio houve imperadores que condenaram a idolatria, mas ressurgiu definitivamente com a Teodora, a esposa do imperador Teófilo, mulher idólatra que à morte de seu marido (ano 842) governou como regente de seu filho Miguel III (842-867), à maturação menor de idade. Então, como resultado da aceitação tanto em Oriente com o culto às imagens em quadros ou ícones, como no Ocidente com o culto às imagens esculpidas, as relíquias religiosas, a cruz, e outros objetos de duvidosa origem, o segundo concílio de Nicéia adquiriu o caráter de ecumênico. Este concílio também se destaca pela promulgação da «tradição» eclesiástica como autoridade, pondo sob anátema ao que a rechaçasse; assunto que completou o contra-reformador concílio de Trento oito séculos mais tarde.