domingo, 20 de setembro de 2009

12- Latrão IV

12
CONCILIO DE LATRÃO IV
(XII Ecumênico, segundo Roma)



Reunido a fins do ano 1215 na catedral de São João de Latrão em Roma. Inocêncio III, o pontífice romano que marca a máxima cúpula do poder e influência papal na Europa em todos os tempos, convocou o que se considerou a mais importante das assembléias do catolicismo romano, sobre o qual ele manteve o absoluto domínio.

Panorama do antecedente historico

O papado romano tinha chegado ao cume de seu poder, convertendo-se no dono indiscutível do Ocidente, podendo ditar sua vontade a todos os monarcas e príncipes e a todos seus súditos. Lotario de Segni, um filho de conde, foi elevado à tiara pontifícia romana aos trinta e sete anos de idade com o nome de Inocêncio III, a qual ostentou desde 1198 até 1216; tempo durante o qual governou na Europa com mão de ferro, sendo em realidade, a julgamento de um bizantino, "não o sucessor de Pedro, mas sim de Constantino", ultrapassando a audácia e ambição de Hildebrando. Com ele se aperfeiçoou a lei canônica de tal maneira que se estabeleceu o princípio de que o papa romano é o oráculo de Deus na terra, sem oposição possível por parte de nenhuma criatura. Tendo proclamado a independência política do papado, erigiu-se por cima de todos os reis e príncipes laicos, contribuindo a doutrina de uma teocracia pontifícia e o papa como imperador do mundo. Inocêncio III, não obstante ter acrescentado o poder papal como o fez, jamais recebeu na história o qualificativo de "grande", nem foi canonizado, como os outros "grandes".
Com apóio nas falsificações Pseudo-Isidorianas, sob o pontificado de Inocêncio III, o poder papal chegou ao cume, e sobre tudo com a falsa premissa de que ao apóstolo Pedro, mais que à Igreja, tinha-lhe sido crédulo o mundo; e para completar a farsa, antes de Inocêncio III os papas tinham assumido o título de vigário de Pedro, mas a partir deste papa, começou a chamar-se vigário de Cristo; mas foi mais longe, dizendo ser o vigário de Deus no mundo, de modo que todo poder político tinha que estar sujeito ao papa romana. Então, como vigário de Cristo podia ser rei de reis e senhor de senhores.
O papado romano jogou mão de qualquer interpretação a seu emprego das Escrituras para entronizar-se sobre o mundo inteiro. É assim como diz Inocêncio III que o fato de que Pedro tenha caminhado sobre as águas, dá-lhes direito, seus supostos sucessores, a governar sobre todas as nações. Deste modo a menção de duas espadas em Lucas 22:38, tomaram como a simbologia do poder eclesiástico e o poder real; mas o mais grave é que ambas pertenciam ao papa, o qual outorgava uma delas ao rei para que a usasse segundo suas instruções e ao serviço da igreja romana; e de fato pôs e tirou imperadores, reis, condes e outras dignidades seculares, conforme seus interesses. Tergiversou e interpolou deste modo textos bíblicos como Deuteronômio 17, fazendo dizer à Escritura que quem não se submetia à decisão do supremo pontífice romano era réu de morte.
Ao princípio, Inocêncio III teve a intenção de capitalizar com os valdenses, e em vez de "Pobres de Lião", ofereceu-lhes se convertessem em uma ordem monacal de "Pobres Católicos", mas quando isso ocorria, já os valdenses tinham tido clareza de que a igreja papal não era bíblica; de maneira que cruelmente foram perseguidos e milhares levados ao martírio. Quando em 1517 se iniciou a Reforma protestante, os valdenses, bastante dizimados mas firmes, estavam disseminados pelas regiões de Piamonte e Saboya, na Itália. Tinha Inocêncio III um exército próprio e uma maquinaria de numerosos legados pontifícios e de eclesiásticos associados com as ordens religiosas, do qual se valeu para perseguir os albigenses e aos judeus. Inocêncio III proclamou uma cruzada para exterminar aos albigenses, e para isso, por ser os bispos mais mercenários que pastores, utilizavam o braço secular para acabar com a "heresia", e oferecia o perdão de todos os pecados e o paraíso a todos os que se alistassem para acabar com os albigenses. A guerra contra os albigenses no sul da França (1209-1229), teve como conseqüência a Inquisição com suas fogueiras contra os que o sistema considerava "hereges". Por exemplo, em Beziers, baluarte dos albigenses, os cruzados papais organizaram um indescritível banho de sangue. Foi tanta a barbárie, a rapina, a crueldade e a destruição, que foi exterminada a quase totalidade da população de cidades inteiras, sem discriminar se eram albigenses ou não, nem respeitando a idade nem o sexo. Eles se gabavam de que a "vingança divina" nesse açougue não tinha respeitado nem classe social nem sexo nem idade, caindo sob a espada quase vinte mil pessoas. Contra os judeus a política era conseguir que se esfriasse sua perseverança para seus princípios religiosos, mais que de extermínio, sob pena de castigá-los por sua rígida postura. É claro que durante o reinado de Inocêncio III se destacou a intolerância religiosa.

O concílio

As sessões do concílio se levaram a cabo de 11 aos 30 de setembro de 1215, com a assistência de 800 abades e mais de 400 bispos da asa latina da cristandade, além de representantes do Imperador Frederico II, e dos reis da Inglaterra, França, Aragom, Hungria, e dos patriarcados latinos de Jerusalém e Constantinopla. Sem a assistência dos bispos gregos, Latrão IV foi na realidade um concílio da igreja papal, aonde os bispos se reuniram em três sessões para que fossem proclamados e ratificados os decretos papais, personagem que se adotou plena jurisdição na igreja, e os bispos eram apenas seus assistentes.

Aprovações no concílio

1. Condenação de Joaquim de Flora (ou Fiore) e seu monacato profético.
Joaquim de Flora (1130-1202) nasceu na Calabria, no extremo sul da Itália, e tendo ingressado em um monastério cisterciense, depois de ter sido ordenado sacerdote, a contra gosto tinha sido feito abade do mesmo desde 1178 a 1188. Sempre desejou um caminho de vida monacal mais rígida, estrita e austera que o que tinha vivido ali, e seguido por um bom número de discípulos, fundou um monastério, o de São João Fiore, o qual obteve a aprovação papal. Então, qual foi seu problema frente ao papado? Joaquín sentia um profundo pesar pela progressiva corrupção da igreja, e sendo um dedicado estudante de profecia, aplicou sua forma de ver as coisas, no entorno eclesiástico de sua época, à interpretação profética, sobre tudo o livro de Apocalipse, vendo factível uma reforma da igreja por leitos monásticos, aos quais pretendia "espiritualizar". Dividia a história em três idades ou dispensas: a do Pai, a do Filho, e a do Espírito Santo, as quais se compunham a sua vez de subdivisões, de tal maneira que o último período terminaria em uma sociedade comtemplativa. Como é de supor, sua curiosa interpretação profética, chocava-se com os princípios imperiais e interesses papais da época, instituição, com o Inocêncio III à cabeça, que condenou as visões proféticas de Joaquim de Flora. Como resultado deste incidente, e alarmados pela proliferação de novos movimentos monásticos, dispôs que qualquer que desejasse fundar uma nova casa religiosa, devia aceitar para seu governo as normas e disciplina das já existents

2. Condenação de Berengário de Tours e definição da "transubstanciação".
Como se sabe, o sistema católico romano, e particularmente os monastérios medievais, tinha chegado a converter o singelo memorial que celebrava a igreja primitiva do Jantar do Senhor, em uma diária renovação do sacrifício do Senhor no Calvário, ao qual chamavam Eucaristia, ou Missa, palavra que em latim significa reunião; de maneira que não é incorreto dizer que Cristo instituiu a Santa Ceia e os monges a Missa. Tenha-se em conta que nessa época a Bíblia se constituiu em um livro de proibida leitura, de maneira que muito poucas pessoas tinham o privilégio de conhecer as Sagradas Escrituras e ter a oportunidade de ser fiéis pelo menos a algumas das doutrinas apostólicas contidas no Novo Testamento; porque se o clero dessa época, ou pelo menos os que tivessem o poder de decisão, tivesse retornado à Escrituras, a Missa tivesse sido desterrada da igreja. Quanto a "transubstanciação" implícita na Missa, nessa época ainda não tinha sido declarada dogma, embora já começava a receber carta de legitimidade na igreja, e autores do nível de Pascasio Radberto de Corbie, no século IX já se pronunciaram a favor da mesma.
Dos poucos que conheciam os ensinos apostólicos, e muito antes deste concílio, Berengário de Tours (998-1088), versado teólogo, canônico que tinha sido da catedral do Tours e logo arque-diácono e professor do Angers, havia sustentado que a Santa Ceia não tinha que entender-se em sentido material a não ser espiritual; pelo qual tinha sido condenado em vários sínodos, e em forma definitiva neste concílio. O que é a "transubstanciación"? Este concílio a proclamou como um dogma, com a seguinte definição:
"Seu corpo e seu sangue (de Cristo) estão verdadeiramente contidos no Sacramento do altar sob as formas do pão e o vinho; o pão é transubstanciado em seu Corpo e o vinho em seu Sangue pelo poder divino, de maneira que para aperfeiçoar o mistério da unidade, nós recebemos Dele o que Ele recebeu de nós".
De maneira que por um ato de poder milagroso, o sacerdote aparentemente podia fazer que Cristo se convertesse em um biscoitinho e em um pouco de vinho, e como conseqüência só sob a mediação do sacerdote podiam participar os fiéis, do Filho de Deus, e só por eles ser salvos, pois os sacramentos, de acordo com esse sistema, são o único meio de salvação; então a situação é triste quando o catolicismo romano mais tarde no concílio de Trento, sela e faz normativo e imperativo que uma pessoa não pode ser salva a não ser através do batismo que lhe administra um sacerdote católico, de uma confissão de pecados a um sacerdote católico e comendo o pão e bebendo o vinho em que supostamente se converteu Cristo em virtude do exclusivo poder de fazer esse milagre que tem o sacerdote católico.
Se meditarmos um pouquinho nesta situação do romano-papismo, temos que já o papa, por meio de armas tão capitalistas como a excomunhão às pessoas que não lhe sujeitassem, e a interdição a cidades, regiões e até os países, punham sob sua sujeição aos reis; mas a isto lhe adicionou que por meio dos "sacramentos" podiam sujeitar a vida de todos os indivíduos. em relação à Ceia do Senhor, o que diz a Palavra de Deus? Que é um memorial. Diz 1 Coríntios 11:23-25: "Porque eu recebi do Senhor o que também lhes ensinei: Que o Senhor Jesus, a noite que foi entregue, tomou pão; e tendo dado graças, partiu-o, e disse: Tomem, comam; isto é meu corpo que por vós é partido; façam isto em memória de mim. Deste modo tomou também a taça, depois de ter ceiado, dizendo: Esta taça é o novo pacto em meu sangue; façam isto todas as vezes que a beberem, em memória de mim". Por que a Ceia do Senhor é um memorial? Porque ao comer o pão e beber a taça estamos participando e desfrutando da morte do Senhor, quem se nos deu mediante Sua morte na cruz; é fazer autêntica memória Dele como nosso Redentor; é anunciar Sua morte redentora, da qual se produziu a Igreja. De maneira que o pão e a taça do Senhor representam Seu Corpo quebrantado por nós, e Seu sangue derramado por nossos pecados.
Nas Escrituras não encontram fundamento algum que aprove que os sacramentos e decretos católicos romanos sejam os meios postos Por Deus para ser salvos. Nosso Salvador é Jesus Cristo. Diz João 1:12-13: "Mas a todos os que lhe receberam (a Cristo), aos que acreditam em seu nome, deu-lhes poder de serem feitos filhos de Deus; os quais não são gerados de sangue, nem de vontade de carne, nem de vontade de varão, mas sim de Deus".

3. Estabelecimento da Inquisição.
Não contentes com o anterior, embora já tivesse começado na prática, este concílio aprovou canonicamente a Inquisição, e instituiu os tribunais chamados do "Santo Ofício", por meio dos quais "santificavam" a repreensão sangrenta de toda atitude contrária ao papado romano; de maneira que através da história foram milhões os seres humanos que foram encarcerados, torturados, seus bens confiscados, queimados ou passados pelas armas apenas porque eram albigenses, valdenses, mouriscos, judeus ou protestantes. A respeito diz José Grau:
"Em contraste com o que tinha sido costume na antiga lei romana, a Inquisição tinha por culpados aos acusados enquanto não se provava sua inocência, coisa difícil quando mediava a tortura como instrumento ‘judicial’. Não podiam os acusados tampouco ouvir nem conhecer seus acusadores, de maneira que qualquer pessoa estava exposta à perversidade das calúnias de seus inimigos. Lhes negava todo amparo legal. Não podiam apelar nem recorrer a ninguém e ficavam desprovidos de todo assessoramento jurídico, pois qualquer advogado que tivesse tomado sua causa tivesse sido excomungado a sua vez. Os filhos tinham que denunciar a seus pais ou vice versa. Aos filhos dos hereges devia perdoar-se-os a vida, dizia Inocêncio III, como um ato de misericórdia, mas tinham que ser depostos de todos seus cargos, sem possibilidade de voltar a ocupar nenhuma dignidade civil, além de lhes serem confiscados todos os seus bens. Estes passavam, a metade ao tesouro papal e a outra metade aos inquisidores. As autoridades civis tinham que se encarregar das provisões de lenha para as fogueiras e das execuções decretadas pelo ‘Santo Ofício'".*(1)
*(1) José Grau. "Catolicismo Romano: Origens e Desenvolvimento". E.E.E., Barcelona. 1987. Pág. 350.

4. Legislação anti-judaica.
Este papa se enfureceu contra os judeus. Além das medidas contra os albigenses, este concílio decretou que todos os judeus levassem algum distintivo sobre suas vestimentas; ou seja, ordenou que os judeus e sarracenos tivessem que vestir um sambenito ( roupa usada pelos condenados da inquisição) ou indumentária especial que os distinguissem de outros. Parte do cânon dizia: "Os judeus, tanto se for homem como uma mulher, em todos os países cristãos e em lugares públicos devem distinguir do resto da população mediante um tipo especial de vestuário...". Com isso, em parte, evitaria-se a relação sexual entre judeus e cristãos, o qual era um delito. Com estas medidas, começava para eles a discriminação, a formação do "ghetto", a degradação e considerando-os escória, um espetáculo para os "cristãos" da época, e entre quem (cristãos e hebreus) desta maneira, e a partir do século XIII, foi criando um muro de separação, cujas bases foram postas pelo papado. Proibiu aos judeus ocupar cargos públicos. O concílio condenou a usura e proibiu aos cristãos ter trato comercial com os judeus, para evitar que estes a exigissem. No fundo queriam evitar que os cristãos, por pagar a usura aos judeus, pusessem obstáculos para que a igreja lhes cobrasse os dízimos. Proibiu aos judeus exercer "profissões cristãs" e os confinou em guettos, com imposição de um horário de saída e entrada.
Também este concílio se ocupou de grande variedade de controvertidos temas, dos quais enumeramos os seguintes:
* Reconheceu e confirmou a coroa imperial ao Frederico II, o protegido do papa.
* declarou-se contra a Carta Magna, a constituição política inglesa e a melhor da Europa, com a qual o povo inglês se livrava do foro papal, pois submetia a seu soberano, nesse momento João sem Terra, às leis determinadas por seu povo e não aos papas romanos. Mas os ingleses não cederam ante as pretensões papais nem ante as ameaças de excomunhão.
* Convocou aos reino feudais latinos a uma nova cruzada, a V, para a conquista de Terra Santa, chamada associada com a curiosa afirmação do Inocêncio III de que Maomé era o homem do pecado, o filho de perdição, a besta de que nos falam as Escrituras, e de que a seu reino (o dos sarracenos) já lhe aproximava seu fim, pois só seria de 666 anos. Mas esta cruzada, pelo lado da Terra Santa foi um fracasso, pois a anterior cruzada tinha deixado uma má lembrança entre os ortodoxos orientais, pois em vez de ir resgatar os lugares Santos, foram-se a saquear a Constantinopla, e a cometer toda classe de luxúrias e vexames, deixando nos gregos um rastro indelével.
* Estabeleceu um corpo de legislação mais amplo que qualquer outro concílio subseqüente, incluindo o do Trento.
* Procurou a reforma do cristianismo católico e o melhoramento de vida da cristandade. Ditou leis a favor de uma melhor preparação do clero católico, em uma época em que uma percentagem considerável dos sacerdotes desconhecia até as Sagradas Escrituras. Ordenou que em cada sede episcopal metropolitana houvesse uma cadeira de teologia.
* Redigiu definições precisas a respeito de muitas doutrinas cristãs, como uma fórmula da Trindade, e outras.
* Promoveu a união com a asa bizantina do cristianismo.
* Tratou de elevar o nível da vida matrimonial e de família, regulando as leis e impedimentos do matrimônio entre seculares.
* Impôs a todos os católicos o dever de fazer sua confissão a um sacerdote quando menos uma vez ao ano, pois a prática anterior da penitência consistia em castigo e restauração públicos. Também promulgou o preceito da comunhão pascal.


Conseqüências
É fundamental ter em conta que a reforma promovida por Hildebrando e Inocêncio III para o catolicismo romano, afetou em primeiro lugar ao clero e à organização eclesiástica, pois na prática não foi a não ser para engrandecer temporalmente esse sistema. e não para reivindicar os princípios bíblicos da Igreja, nem para levar ao ignorante povo da época a um maior conhecimento do Senhor e às práticas das doutrinas apostólicas.
É elogiável que este concílio se preocupasse porque em cada catedral houvesse um mestre de gramática e outro de teologia, para a instrução do clero, pois muitas vezes esse grêmio logo que sabia ler e escrever. Como estariam os paroquianos desses tempos? Quando movimentos evangélicos como os valdenses quiseram adiantar a educação bíblica às pessoas, foram perseguidos e obstaculizados. Por esse tempo, o saber se foi concentrando nos monastérios das ordens religiosas, assim como o desejo de viver uma vida mais Santa; de modo que o laico tinha muito pouca participação e conhecimento para alcançar uma perfeição evangélica.
Neste concílio e a culminação da reforma da igreja ocidental, estabelecia-se que por igreja só se entendia aos bispos, os abades, o clero e monges que se submetiam à autoridade do papa; e isso não mudou, com suas nefastas conseqüências. A partir do Inocêncio III foi decaindo a teocracia pontifícia que pretendera perpetuar a reforma gregoriana.

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