sexta-feira, 31 de julho de 2009

6- Constantinopla III

6

TERCEIRO CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA

(VI Ecumênico)


Celebrado mediante duas convocatórias: A primeira no ano 680-681, pelo imperador Constantino IV Pogonato, quem convidou ao papa Agatão a que enviasse seus legados; a segunda convocada pelo imperador Justiniano II no ano 692. debateu-se sobre a doutrina das duas vontades em Cristo e Suas duas naturezas, condenando o monoenergismo ou monotelismo. A conclusão foi que Cristo tinha duas vontades, existindo uma perfeita harmonia entre ambas. Sua vontade humana estava sempre em sujeição a Sua vontade divina. Suas sessões foram levadas a cabo na cidade de Constantinopla, a Nova Roma.


Antecedentes
No século VII o cristianismo atravessava uma crise decadente devido a uma relaxação moral e espiritual da maior parte do povo cristão. A Igreja estava sofrendo uma preocupante debilidade; em qualquer parte reinava uma frieza devida a que a fé nas pessoas era só nominal; o clero e os monges davam um pobre testemunho de vida, e já começava muita da desorientação e ignorância que caracterizou aos crentes da Idade Média.
A começos do século VII se fechou a era histórica do mundo antigo e alvorecia a idade Média com seu obscurantismo nas costas, e ainda persistia o engano monofisita em torno das duas naturezas de Cristo, pois muitos bispos orientais seguiam defendendo esta doutrina, sem que muitos outros deixassem de ser simpatizantes. Os imperadores bizantinos tinham feito falidos intentos por reconciliar aos ortodoxos com os monofisitas, e uma vez mais o intentou o imperador Heráclio (610-641) por sugestão de Sérgio, patriarca de Constantinopla (610-638), achando para isto apóio em certos escritos atribuidos a Dionísio o Areopagita, o qual havia dito que Cristo obrava ações divinas e humanas por uma só energéia.
Sergio, tratando de solucionar o conflito divisor propõe uma "bizantina" fórmula que ao final não foi mais que uma nova heresia, pois pediu suspender esta controvérsia sobre se Cristo obrava por meio de uma ou mais energéia. Sergio propôs que todos estivessem de acordo em que no Verbo encarnado havia duas naturezas, mas uma só operação e uma só vontade (thélema) divino-humana, que ele denominava "única energia natural divino-humana", ao qual lhe chamou "monotelismo", de monos, um, sozinho, sem companhia, e thélein, querer, escolher, atuar por vontade; quer dizer, um só querer, uma só vontade. Em outras palavras, Sergio queria conjugar duas afirmações pretendidamente complementares: Cristo possui uma só energia (agradando aos monofisitas) e dupla natureza (agradando aos partidários da Calcedônia); daqui que lhe desse também o nome de monoenergismo. No ano 633 se proibiu falar de uma ou de duas energias em Cristo; não obstante, Sergio manteve sua terminante oposição às duas energias, por acreditar que isso exigia atribuir a Cristo duas vontades apostas entre si. Em princípio, Sergio teve um relativo êxito em seus propósitos, pois obteve a reconciliação de muitos bispos orientais, e de passagem obteve a aprovação papal no pouco versado Honório I (625-638), quem por escrito esteve de acordo com os pontos de vista heréticos de Sergio; também obteve a aprovação do imperador Heráclio, quem oficializou ao monotelismo mediante decreto imperial, e esta controvérsia seguia seu curso interminável.
Apesar de que esta heresia tinha sido elevada à categoria de doutrina oficial do Estado, o monotelismo logo encontrou seus decididos opositores tais como Sofrônio, bispo de Jerusalém, e muitos partidários dos anteriores concílios ecumênicos, em especial o da Calcedônia.
Paulo, o sucessor de Sergio no patriarcado de Constantinopla, vendo que longe de unir, o monotelismo tinha dividido mais a cristandade, teve a decisão de suspender
as discussões a respeito da vontade de Cristo, o qual registrou no documento chamado "Typus", que foi convertido em decreto imperial por Constante II (641-668). Em Roma, Martinho I (649-655), o sucessor do Honório no papado, condenou o monotelismo em um sínodo de 105 bispos reunido no Latrão no ano 649, declarando-se a favor das duas energias ou vontades em Cristo, condenando a Sergio e pronunciando-se contra os decretos imperiais dos anos 638 e 648. Essa ousadia, por ordem do Imperador Constante II, custou-lhe o desterro e sua posterior morte em Crimea, por causa dos maus tratos de que foi vítima.
O mais conspícuo, atrevido e competente oponente à heresia do monotelismo foi o monge Máximo o Confessor (580-662), discípulo do Sofrônio e considerado o mais destacado teólogo grego do século VII, quem por esta causa, e também por ordem do Imperador Constante II, sofreu o cárcere, a mutilação da língua e da mão direita e posterior desterro, a fim de que não seguisse falando ou escrevendo sobre este proibido tema. Ele era oriundo de Hasfin, Palestina, localidade sobre o Golan, no Tiberias. Entre outras coisas, ele tinha escrito em 642 no Opúsculo 7: Exposição doutrinal remetida ao Chipre, para o diácono Marinho, o seguinte:
«Por conseguinte, aceitando a doutrina dos Santos pais, recusamos qualquer diminuição na vontade, nas operações naturais e na natureza mesma do só e único Verbo de Deus feito homem e Cremos que Ele mesmo é, ao mesmo tempo, em todos os aspectos, perfeito Deus e perfeito homem, pois possui por natureza e de modo perfeito todas as características próprias das naturezas divina e humana, suas vontades e operações. Desta sorte evitamos que, pela subtração de alguma das propriedades que definem a uma ou outra dessas duas naturezas, cheguemos não só a diminuir a realidade de cada uma das duas partes nas que e às que subsiste, a não ser inclusive à completa eliminação de ambas ou de alguma delas. E que tinha uma verdadeira vontade humana, como cumpre a sua natureza, ao igual a possui uma vontade divina por sua essência, o manifesta o próprio Verbo com aquela muito humana súplica com a que rogava ser sacado da morte e que fez em favor de nossa salvação, dizendo: "Pai, se for possível, afasta de mim este cálice". Revelava deste modo a debilidade de sua carne e que sua manifestação na carne não era uma fantasia que enganasse a quem a via, fazendo errar seus sentidos. Mas sim realmente era homem, como o prova sua vontade natural, da que emanou essa súplica de liberação, segundo o projeto da salvação».*(1)
(1) Máximo o Confessor. Meditações sobre a agonia de Jesus. Editorial Cidade Nova. 1990. Pág. 28.

O concílio

Assim estavam as coisas quando é entronizado um novo imperador bizantino, Constantino IV (668-685), quem via a necessidade de restabelecer a harmonia eclesiástica e o fortalecimento político no império, convocando um novo concílio ecumênico, inclinando-se na ocasião a favor da corrente da Calcedônia. É bom anotar que para essa época, muitas províncias do antigo império romano bizantino tinham sido invadidas, não só pelos bárbaros, mas também também pelos árabes muçulmanos, de maneira que os principais bispados monofisitas estavam em mão dos árabes islâmicos; de modo que a controvérsia monofisita estava quase que eliminada..


«Trullanum Primun»

O Terceiro Concílio Ecumênico de Constantinopla foi inaugurado em 7 de novembro do ano 680, e duraram as reuniões até em 16 de setembro do seguinte ano. Muitos historiadores designam este concilio com o nome de "Trullanum Primun" devido a que se realizaram suas sessões na cúpula do palácio imperial, chamada "Trullo". A suas reuniões assistiram 174 bispos orientais e oito emissários ocidentais, os quais levaram um documento escrito do sínodo romano, defendendo a mesma posição que tinha tomado Martinho I, e que lhe havia custado o desterro e a morte.
Apesar da entristecedora maioria oriental, foi presidido o concílio pelos legados romanos junto com o imperador. Nas três primeiras sessões, de um total de vinte e dois, foram lidas as atas dos concílios ecumênicos de Éfeso, Calcedônia e Constantinopla II; nas seguintes se baralharam os textos dos chamados antigos pais, tanto por parte dos monotelitas como pelos ortodoxos.
Este concílio condenou definitivamente o monotelismo, que afirmava a existência em Cristo de uma única vontade, anulando de passagem os decretos imperiais de Heráclio e Constante II. Deste modo foi excomungado Macário, patriarca da Antioquia, principal defensor da heresia monotelita. Como autores e propagadores da heresia foram condenados post mortem, entre outros, Sergio, patriarca de Constantinopla, Paulo e Pedro de Constantinopla. Não obstante que este concílio era presidido por legados papais, foi excomungado o papa Honório I, e seu nome eliminado da lista dos bispos, declarando-o herege, o mesmo que ao patriarca Sergio. A todos eles os apelidaram de instrumentos do diabo, e os anatematizaram.
O concílio se declarou claramente em favor de duas vontades e duas energias existentes em Cristo, como "concorrentes mas mutuamente nele para a salvação da raça humana". Conciliando a doutrina dos cinco concílios precedentes, neste concílio fica fixada a doutrina cristológica: deixou-se por certo que posto que Jesus Cristo era verdadeiro Deus como também verdadeiro homem, tinha que ter, na unidade de pessoa, duas naturezas, uma divina e outra humana, com duas vontades correspondentes a cada uma de suas naturezas. Desta maneira este concílio deu por terminado o prolongado debate que durante muitos séculos se sustentou sobre a relação de Jesus Cristo com Deus e sobre a maneira em que tinham que achar-se no Senhor Jesus o divino e o humano. O anterior foi consignado na seguinte fórmula de fé:"Cremos que é um da Santa Trindade, ainda depois da encarnação, nosso Senhor Jesus Cristo, nosso verdadeiro Deus, dizemos que suas duas naturezas resplandecem em sua única hipóstasis, em que mostrou tanto seus milagres como seus padecimentos, durante toda sua vida redentora, não na aparência, a não ser realmente; posto que em uma só hipóstasis se reconhece a natural diferença por querer e obrar, com comunicação da outra, cada natureza o seu próprio; e segundo esta razão, glorificamos também duas vontades e operações naturais que mutuamente concorrem para a salvação do gênero humano".Não obstante isto, o monotelismo foi ressuscitado por um imperador bizantino a princípios do século VIII, e os maronitas no Líbano o ensinaram até o século XII, quando se reconciliaram com o papado romano. Anotamos os seguintes versículos bíblicos, os quais também nos falam das duas naturezas e das duas vontades do Verbo encarnado:
"Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito (Humano) e comoveu-se" (Jo. 11:33).
"38Entonces Jesus lhes disse: Minha alma (humana) está muito triste, até a morte; fique aqui, e velem comigo. 39 Indo um pouco adiante, prostrou-se sobre seu rosto, orando e dizendo: meu pai, se for possível, passe de mim esta taça; mas não seja como eu quero (vontade humana), mas sim como você (vontade divina)" (MT. 26:38-39).
"Pai, se quiser, pára de mim esta taça; mas não se faça minha vontade (humana) (em grego thelema, ??????), a não ser a tua (a vontade divina)" (Lc. 22:42).
"Então Jesus, clamando a grande voz, disse: Pai, em suas mãos encomendo meu espírito (humano). E havendo dito isto, expirou" (Lc. 23:36).
"Porque desci do céu, não para fazer minha vontade (a humana), a não ser a vontade (divina) do que me enviou" (Jo. 6:38).
"Agora está turvada minha alma; e o que direi? Pai, me salve desta hora? Mas para isto cheguei a esta hora" (Jo. 12:27).


«Trullanum» segundo

Transcorridos onze anos desde o Sexto Concílio Ecumênico, Terceiro de Constantinopla, o imperador Justiniano II (685-695) convocou um novo concílio no ano 692, no palácio imperial, com a assistência de bispos do Oriente. Por ter feito a sessão no mesmo lugar do anterior, lhe conhece como o segundo "Trullanum". Alguns historiadores não o consideram como Concílio Ecumênico, alegando que finalmente o papado romano não o aceitou e que as Igrejas orientais sim o consideraram como ecumênico, mas suplementar dos concílios quinto e sexto, os quais não tinham decretado leis de disciplina eclesiástica, e por isso foi chamado "Quinisexta" ou "Quinisextum".
A convocatória deste novo concílio obedeceu a que os anteriores não tinham tratado de resolver questões relacionadas com a moral do clero e a disciplina eclesiástica. O anterior concílio não se ocupou de tocar o tema de uma reforma de costumes, especialmente nos círculos eclesiásticos. O nicolaísmo*(2) tinha jogado raízes profundas e estava fazendo sentir seus efeitos devastadores na Igreja. Era tão lamentável a situação moral da igreja oficial, que este concílio chegou a aprovar 102 rigorosos cânones relacionados com ética e disciplina do clero. Em contraposição ao costume clerical romano, este concílio aprovou o casamento dos diáconos e presbíteros, e para evitar grosseiros escândalos, o clero foi submetido a um estrito controle nas altas esferas eclesiásticas, pois o prurido da castidade tinha conduzido a uma falsa moral e a um mal dissimulado farisaísmo. Isto equivalia a uma ratificação do lembrado no primeiro concílio de Nicéia, em contra do celibato obrigatório. Nesta matéria e em todas as relacionadas com vida da Igreja e os assuntos que correspondem a Deus e Seus propósitos, devemos sempre nos remeter às Sagradas Escrituras, as quais nos ensinam a verdade. Por exemplo diz em 1 Timóteo 4:1-3:
*(2) Doutrina e prática espúrea introduzida na igreja com a formação de uma casta clerical ou hierarquía dominante, com autoridade sobre o povo ou laicos, os crentes comuns. Este ensino a herdou o protestantismo do sistema católico romano. O nicolaísmo começou na igreja ainda nos tempos do apóstolo João em sua fase de meras obras, as quais eram aborrecidas pela igreja (Apo. 2:6); mas essas obras sofreram um desenvolvimento e se converteram em doutrina nos tempos de Constantino o Grande (Ap. 2:15)."1 Mas o Espírito diz expressamente que nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, escutando a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios; 2pela hipocrisia de mentirosos que, tendo a consciência cauterizada, 3proibirão casamento, e mandarão abster-se de mantimentos que Deus criou para que com ação de graças participassem deles os crentes e os que conheceram a verdade".
Aí vemos claramente que o celibato clerical é uma doutrina de demônios herdada das raízes religiosas babilônicas. O celibato fomenta o escândalo e a imoralidade sexual. Nessa mesma carta, 1 Timóteo 3:2, Paulo diz:
"Mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, prudente, decoroso, hospitaleiro, apto para ensinar".
"5Por esta causa te deixei em Creta, para que corrigisse o deficiente, e estabelecesse anciões (bispos) em cada cidade, assim como eu te mandei; 6 o que for irrepreensível, marido de uma só mulher, e tenha filhos crentes que não estejam acusados de dissolução nem de rebeldia" (Tito 1:5-6).
Este concílio reconheceu o Cânom completo dos livros do Novo Testamento, tal como tinha sido reconhecido pelos sínodos romanos (382) e o terceiro de Cártago (397), sem que isso signifique que estes concílios tenham determinado o Cânom. Esse é um assunto do Espírito Santo. O Cânom dos livros inspirados pelo Espírito Santo não é determinado pela Igreja. A normatividade e autoridade das Escrituras Sagradas são determinadas Por Deus; e os livros que compõem o Novo Testamento estiveram em uso desde os primeiros dias do cristianismo, e o mesmo Senhor foi se encarregando de que a Igreja fosse recusando os que não eram inspirados, mas a autoridade e a inspiração dos livros sagrados só a determinou o Espírito Santo. O trabalho dos concílios só consistiu em reconhecê-los como sagrados, por causa dos livros apócrifos que circulavam já na época. A Igreja reconhece o que Deus revelou em Sua Palavra e dá testemunho disso.
No cânom 36, o concílio confirmou de novo a decisão da Calcedônia de que "a sede de Constantinopla gozará de privilégios iguais que a sede da velha Roma... e segunda depois dela". Alexandria ocupava o terceiro lugar, Antioquia o quarto e Jerusalém o quinto. Para esta época, as sedes patriarcais de Alexandria, Antioquia e Jerusalém, estavam em mãos dos muçulmanos, de maneira que essas filas eclesiásticas tinham mais de simbólicos que de reais. O espírito desta decisão era consolidar a Constantinopla frente às pretensões romanas, que ao final eram escoras sólidas para que se protocolizasse mais tarde o Cisma do Oriente.
Este concílio proibiu a representação de Cristo como um cordeiro, ordenando em troca que fosse representado em forma humana.
A papa romano Sergio I (687-701), não reconheceu este concílio como ecumênico, e se negou a assentir as decisões deste concílio, devido principalmente ao cânom 36; mas pouco mais tarde outro papa, João VII (705-707), no ano 705, confirmou-as com algumas modificações; mas se ia alargando o abismo de separação entre ambas as facções da cristandade, e os sucessores de João VII, não obstante, finalmente recusaram a ecumenicidade do mesmo.


Resumo cristológico

Deus não permitiu que um assunto tão fundamental como a cristologia tenha ficado na história sem a devida e correta definição. Aqui podemos intercalar um resumo do que ao respeito foi esclarecido nos primeiros concílios ecumênicos.
Em Nicéia (325) combateu-se o arianismo e se proclamou que Cristo é da mesma substância que o Pai, e por conseguinte, Cristo é Deus.
Em Constantinopla I (381) condenou-se o apolinarismo e se definiu a humanidade de Cristo; ou seja, que Cristo é verdadeiro, perfeito e impecável homem.
Em Éfeso (431), condenando ao nestorianismo, definiu-se que em Jesus há uma só pessoa.
Na Calcedônia (451), falhando a controvérsia eutiquiana e seu monofisismo, esclareceu que Jesus é uma pessoa única que possui duas naturezas, a divina e a humana.Em Constantinopla III (680-681), ao condenar ao monotelismo, definiu-se que no Jesus operavam duas vontades, a divina e a humana, estando a humana submetida à divina em perfeita harmonia. Estas foram as principais controvérsias em torno do Senhor Jesus Cristo.

5- Constantinopla II

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SEGUNDO CONCILIO DE CONSTANTINOPLA

(V Ecumênico)


O Segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla, considerado o Quinto Concílio Ecumênico, foi celebrado no ano 553, convocado pelo imperador Justiniano I, para resolver a controvérsia monofisita. Suas sessões se levaram a cabo em Constantinopla, a Nova Roma. Este concílio recusou o ponto de vista dos três proeminentes teólogos da Antioquia (e os famosos «três capítulos») e desse modo aprovou a interpretação que Cirilo tinha dado às deliberações da Calcedônia.

Antecedentes
Vejamos um apertado panorama da situação político religiosa que se vivia no Império Romano em sua ala bizantina, nos anos prévios à convocatória do Segundo Concílio de Constantinopla. O imperador Justiniano I (governou entre 527-565), interessou-se pela uniformidade religiosa do império e trabalhou por uma política eclesiástica fortemente centralizada. É interessante saber que este imperador fechou todas as escolas de filosofia de Atenas, por considerará-las inconsistentes com o cristianismo; por mandato dele, tanto bispos como oficiais civis deviam perseguir as superstições pagãs; decretou a pena de morte para os maniqueos e para todos os hereges que depois de haverem-se retratado, voltassem para suas antigas crenças. Condenou por decreto aos nestorianos.

Em seu Código «Corpus Juris Civilis» (Corpo de leis civis), estabeleceu com sua autoridade ao bispo romano, nesse momento João II, como Chefe de todo o corpo eclesiástico do Império. Em sua carta ele trata de «Sua Santidade», e «por ser cabeça de todas as santas Igrejas», embora seu posterior proceder em relação à sede romana dá a entender que Justiniano não entendia muito bem o da primazia romana, como o caso de chegar a depor ao papa Silverio (536-537) ao cabo de um ano, pretextando que durante o sítio de Roma pelos godos, Silverio tinha favorecido aos sitiadores, (embora no fundo a verdadeira razão era que o papa se negou a reconhecer um patriarca monofisita de Constantinopla), e em seu lugar elevou à sede romana a Vigilio, um diácono favorecido pela imperatriz Teodora, na ocasião simpatizante dos monofisitas. Mas o curioso é que à convocatória do Segundo Concílio de Constantinopla, ante a negativa de Vigilio de assistir, Justiniano o trouxe à força a Bizâncio, e ante os contínuos protestos do papa, este foi destituído por Justiniano e banido, ante o qual Vigilio teve que ceder, e então foi quando pôde voltar para Roma, com a condição de que aceitasse o concílio. Sob sua concepção das coisas e em sua confusão das potestades civis e eclesiásticas, em realidade Justiniano considerava a Vigilio como um dócil chefe do "Departamento de Religião" do Estado. por que isto precisamente com a sede de Roma? Para ter influência sobre um grande número do Igrejas ocidentais.
Justiniano tomou o nome de Isapóstolos» (igual aos apóstolos), e ditou leis em que sujeitava as questões da vida da Igreja sob a jurisdição do imperador e o governo bizantino, tais como a eleição de bispos, o culto público, a administração dos bens e propriedades da Igreja, a ordenação do clero, a ingerência na moralidade do clero com relação a simonia, a compra de postos eclesiásticos, e a nomeação dos abades dos monastérios.
Justiniano trabalhou para obter o triunfo sobre seus rivais da fé ortodoxa lembrada no concílio de Calcedônia, especialmente sobre os arianos. Justiniano tratava de efetuar um convênio entre os partidários da Calcedônia e os mais moderados dos monofisitas, sobre a base de manter em executória os decretos da Calcedônia, mas inclinando-os para os pontos de vista de Cirilo de Alexandria, quem ao mesmo tempo que reconhecia o elemento humano de Cristo, subordinava-o ao divino. Para isso Justiniano se apoiou nos escritos de Leão de Bizâncio, um monge contemporâneo, quem empregando as "categorias" aristotélicas sustentava que se podiam assegurar as duas naturezas em Cristo sem cair no extremismo nestorianista, e que essas duas naturezas podiam estar tão mescladas e unidas entre si, que em Cristo não haveria a não ser uma hypóstasis, a do Logos.
Ainda nos tempos de Justiniano, eram tantos os bispados e os monastérios fiéis à heresia monofisita, que facilmente era confundida com a ortodoxia oficial, a tal ponto que a imperatriz Teodora simpatizava com esse engano cristológico, e até o imperador o considerava um ponto de vista capaz de ser reconciliado com a ortodoxia do Ocidente, aonde tinha sido plenamente aceita a fé da Calcedônia, apesar de que o concílio da Calcedônia tinha tido maioria de participação de bispos do Oriente.
Como se tinha afastado a cristandade daquele espírito evangélico que caracterizava aos que andaram com o Senhor pelos caminhos da Terra Santa, e logo depois dos discípulos destes! Como se tinha perdido o primeiro amor e o humilde zelo pelas coisas do Senhor! Como tinha cansado a Igreja do lugar aonde o Senhor a tinha levantado quando Ele foi levantado a cruz, quando Ele foi ressuscitado, e quando foi glorificado subindo ao Pai e enviando a Seu Santo Espírito! Nos tempos deste possante imperador, lastimosamente continuam em conflito as rivalidades patriarcais e o rigor de impor suas divergentes opiniões teológicas. A escola alexandrina seguia sustentando que a antioquena tinha sido esmagada em Éfeso no ano 431, e o monofisismo teria que triunfar, com esse inusitado florescimento que tinha tido no Oriente. O imperador observava tudo aquilo, vendo-o como um perigo para a unidade política do império, e devia tomar cartas no assunto.
Como o monofisismo tinha tomado tanta força, como uma medida conciliatória, e para aplacar aos egípcios e sua corrente alexandrina, o imperador Basiliso tinha condenado o Tomo, a carta dogmática de Leão I Magno, assim como a declaração ortodoxa da Calcedônia, em seu decreto « Encyclion», do ano 476. Deste modo Zenom, no ano 482, em seu decreto « Henotikon», tinha condenado a Eutiques e a Dióscoro, recusando o concílio da Calcedônia. Mas apesar destas medidas, não se tinha encontrado solução para o latente cisma da cristandade no Império. Os orientais não os aceitaram e os ocidentais os consideravam uma traição a Calcedônia.
No ano 544, para mostrar-se complacente com os poderosos monofisitas, o imperador Justiniano, assessorado por um conselheiro, expediu um decreto imperial por meio do qual condenava três escritos algumas vezes conhecidos com o nome de «Os Três Capítulos», por meio do qual condenava:
1. A pessoa e os escritos do Teodoro da Mopsuéstia, quem tinha tratado de justificar as idéias de Nestório sobre as duas naturezas de Cristo, e que tinham sido recusadas pela Igreja. Teodoro era teólogo da Escola teológica da Antioquia, onde se cultivava a erudição e se rechaçava a exegese alegórica.
2. Os escritos de Teodoreto de Ciro*(1) (386-458), exegeta e teólogo da escola da Antioquia, quem também se levantou em favor de Nestório, contra Cirilo da Alexandria e o concílio de Éfeso.

*(1) Teodoreto de Ciro, foi bispo. Historiador eclesiástico antigo, além de exegeta, teólogo e polemista. A ele se deve a clarificação das duas naturezas em Cristo, base do concílio da Calcedônia, contra as idéias monofisitas de Eutiques. É considerado o mais distinto teólogo da escola da Antioquia.

3. Uma carta de Ibas de Edessa, que defendia a Teodoreto contra Cirilo.
Este decreto despertou novas dissensões em vez de contribuir à harmonia, e Ocidente acreditou ver neste decreto imperial que condenava os Três Capítulos, uma reivindicação do monofisismo e um repúdio ao concílio da Calcedônia, onde Teodoreto de Ciro e Ibas de Edessa tinham sido reconhecidos dentro da comunidade ortodoxa; além disso, muitos bispos consideraram este decreto como iníquo por tratar-se de pessoas falecidas.
O "infalível" papa Vigilio interveio nesta controvérsia com uma atitude vacilante e contraditória de si mesmo. Recorde-se que lhe devia fidelidade à ortodoxia ocidental, mas de uma vez a Justiniano e a sua esposa, quem no ano 537 o tinham elevado à sede romana. Começou opondo-se ao decreto imperial e rompendo relações com o patriarca de Constantinopla. Logo foi a Constantinopla e, sob a pressão do imperador, trocou de parecer expedindo um «Iudicátum» apoiando a Calcedônia, mas condenando os escritos anatematizados pelo decreto imperial, tratando de ficar bem com todos. A sua vez o «Iudicátum» papal foi censurado pelo ocidente em pleno, e em especial por muitos bispos da Gália, África do Norte, Cítia, Dalmácia e Ilíria, onde o tinham por herege, já que comprometia a fé da Calcedônia, pelo qual o inconstante Vigilio retirou e anulou seu próprio «Iudicátum» em 550. O anterior deu por resultado que o imperador Justiniano convocasse o chamado Quinto Concílio Ecumênico, reunido em Constantinopla em 553.

O concílio
Fugindo das retaliações do imperador, Vigilio tinha se refugiado na Calcedônia, na catedral da Santa Eufêmia, onde tinham tido lugar as sessões do último concílio ecumênico, e tinha solicitado como condição para assistir ao novo concílio, que fosse igual o número de bispos ocidentais que orientais, o qual não se cumpriu; e apesar dos protestos de Vigilio, o concílio foi inaugurado em 5 de Maio do ano 553, pelo patriarca Eustáquio de Constantinopla, no templo episcopal.
Apesar da oposição de Vigilio e sua negativa a assistir pela entristecedora maioria grega, a assembléia confirmou a condenação dos Três Capítulos. Paralelamente, secundado por dezesseis bispos, e em sua intenção de dar um julgamento independente sobre os assuntos tratados no concílio, publicou um documento conhecido como o «Constitutum», aonde condenava sessenta proposições de Teodoro da Mopsuéstia, e proibindo a condenação dos outros capítulos. O concílio, sem romper relações com Roma, acusou a Vigilio de nestorianismo, e fez que o nome de Vigilio fosse apagado dos registros dos bispos, pelo qual, tendo sido banido por um decreto imperial, depois de seis meses de exílio, mediante um segundo « Constitutum», Vigilio concedeu legitimidade ao concílio, aceitou as decisões conciliar, condenando de passagem de novo "os Três Capítulos" e a seus defensores, e de retorno a Roma, morreu no caminho em 554.
Desta maneira foi feita oficial para o cristianismo ortodoxo a interpretação cirílica da Calcedônia. Com a condenação de três de seus mais insignes representantes, a escola antioquena recebia um duro golpe de sua rival alexandrina, cuja sistema alegórico se imporia nefastamente por muitos séculos na história da Igreja. Não obstante, este concílio de Constantinopla II não teve o reconhecimento de muitos bispos na Itália e Gália.
Para compensar ante o resto da cristandade as decisões expostas acima, este concílio condenou alguns dos ensinos errôneos atribuídos a Orígenes e três obras atacadas pelos monofisitas. Orígenes, antigo professor da escola da Alexandria, tinha ensinado a criação eterna do mundo, a negação da ressurreição corporal, a salvação universal e a existência pré-terrestre das almas. Também confirmou o concílio as prerrogativas do patriarca de Constantinopla, pois o liberou da jurisdição do metropolitano da Heraclea, na Trácia, e lhe atribuiu uma classe somente superada pelo de Roma.

Conseqüências
face à intenção de Justiniano, o Quinto Concílio Ecumênico não restaurou a unidade da Igreja, pois não conseguiu reprimir o que ameaçava à ortodoxia. Este concílio, que não contribuiu nada construtivo à Igreja, não foi considerado ecumênico a não ser muito mais tarde, e por mais de um século uma parte das Igrejas do Ocidente esteve separada do resto da Igreja. Como é de se supor, a heresia monofisita não foi extinta, mas sim se vigorizou, e a condenação dos Três Capítulos ia em contra mão das decisões da Calcedônia, e paradoxalmente um concílio condenava parte do que outro tinha aprovado. Daí que Justiniano, esgotados os meios da negociação, da persuasão, da convocatória de um concílio, decidiu a última instância conseguir essa unidade cristã e ortodoxa por meio da força, mas a morte o surpreendeu em seu intento de impor desse modo seus pontos de vista cristológico. O monofisismo chegou a desenvolver-se tanto, que Tiago Baradeu, nascido aproximadamente no ano 490, sendo bispo e dedicado à vida ascética, viajando quase sempre a pé, vestido só de roupas feitas de pêlo de cavalo, estendeu o monofisismo e o fortaleceu, de tal maneira que chegou a consagrar a dois patriarcas, oitenta e nove bispos e cem mil sacerdotes, do ano 542 a 578.
Por um lado o Código de Justiniano, o «Corpus Juris Civilis», serviria para elevar ao Romano Pontífice sobre todos os domínios políticos e religiosos da Europa, e como conseqüência a instituição católica romana impediu que a luz do evangelho iluminasse sobre o continente europeu, e em seu lugar sobreviesse uma era de trevas e de paganismo disfarçado de cristianismo. De onde surgiu o cesaropapismo medieval? Remeta-se ao Código de Justiniano e a dominação da Igreja pelo imperador, que se tinha iniciado com Constantino e que tinha chegado a seu clímax com Justiniano, e que fez da Igreja um instrumento do Estado. Por isso o cesaropapismo também foi chamado bizantinismo.
Por outro lado, o triunfo da escola alexandrina deu bases ao papado para que se erigisse por cima das Escrituras, como único intérprete autorizado, dando à Palavra de Deus um caráter misterioso e um significado escuro, que o Senhor nunca lhe deu.
A Bíblia mesma se encarrega de rebater o engano monofisita. As Sagradas Escrituras nos dizem que na única Pessoa do Senhor Jesus Cristo existem as duas naturezas, a divina e a humana; que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Por exemplo:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo era com Deus, e o verbo era Deus" (João 1:1).
"15 Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criação. 16Porque nele foram criadas todas as coisas, as que há nos céus e as que há na terra, visíveis e invisíveis; sejam tronos, sejam domínios, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por meio dele e para ele. 17 E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas nele subsistem. 9Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da Deidade" (Colossenses 1:15-17; 2:9).
"O qual, sendo o resplendor de sua glória, e a imagem exata de sua substância, e quem sustenta todas as coisas com a palavra de seu poder" (Hebreus 1:3).
"2 Nisto conheçam o Espírito de Deus: Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne, é de Deus; 3 E todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio carne, não é de Deus; e este é o espírito do anticristo, o qual vós ouvistes que vem, e que agora já está no mundo" (1 João 4:2,3).
"Porque há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (1 Timóteo 2:5).
"Porque assim como pela desobediência de um homem os muitos foram constituídos pecadores, assim também pela obediência de um, muitos serão constituídos justos" (Romanos 5:19).
"Porque por quanto a morte entrou por um homem, também por um homem a ressurreição dos mortos" (1 Coríntios 15:21.
As Escrituras abundam em textos que declaram que o Senhor Jesus é Deus e Homem, ou melhor Deus-Homem. Quem pretende anular Nele Sua natureza humana, com isso está negando Seu poder de ser nosso substituto em Sua obra na cruz.

4- Calcedônia

4

CONCILIO DE CALCEDONIA

(IV Ecuménico)


A cidade da Calcedônia estava localizada frente a Constantinopla, sobre o Bósforo. Ali se reuniu o concílio, convocado pelo imperador Marciano (450-457) no ano 451, para sentenciar a controvérsia eutiquiana. Culminou a controvérsia cristológica e formulou o que foi considerado a doutrina ortodoxa da relação entre as duas naturezas de Cristo. Este concílio condenou o monofisismo promovido por Eutiques.

Antecedentes
Como se esboçou no capítulo anterior, Cirilo de Alexandria e com ele o concílio de Éfeso semearam a semente do monofisismo, e Eutiques (378-454), abade de um convento de Constantinopla, foi um dos que melhor se encarregaram de que esta heresia se desenvolvesse e o conflito cobrasse atualidade. Como se explicou, o monofisismo é o engano dos que negam que Cristo tivesse as duas naturezas. Só vêem em Jesus ao "Logos humanizado", que ao encarnar-se absorveu a humanidade, de tal maneira que a anulou, ficando só Sua divindade; jogando por terra desta forma toda a teologia da redenção, pois ao negar a humanidade do Filho de Deus, não podia ser o substituto dos homens na expiação. Estas separações cristológicas tiveram seus tenazes opositores nas pessoas de Teodoro, patriarca da Antióquia, Flaviano, simpatizante da escola antioquina e quem ao amadurecer ocupou a sede episcopal de Constantinopla em 446, e Leão I, o Grande, bispo de Roma, quem a respeito escreveu uma carta dogmática ao patriarca de Constantinopla, a qual foi referida em sua oportunidade no concílio da Calcedônia, e que se conhece como o Tiro de Leão I.

No ano 444, Dióscoro sucedeu a Cirilo no bispado da Alexandria, e foi deste modo seu seguidor em seu zelo pelo prestígio e em sua corrente teológica, mas foi mais à frente que Cirilo na ênfase dada à natureza divina em Cristo. Eutiques se encarregou de denunciar que o credo acordado entre o Juan da Antióquia e Cirilo em 433 era nestoriano, e declarando um pouco confusamente que antes da união (a encarnação) em Cristo havia duas naturezas, a divina e a humana, mas depois da união (encarnação) mesclaram-se as duas de tal maneira que a divina absorveu a humana, e deveram constituir uma só natureza, a qual foi plenamente divina. Nessa forma, o Filho dever ser homoóusion (de uma substância) com o Pai, mas não com o homem. Eutiques, ao negar que Cristo tivesse tido uma natureza humana, na prática estava negando a encarnação e a obra redentora do Salvador, e daí que se diga que Eutiques é o verdadeiro fundador da heresia monofisita (de monofusis = uma só natureza). Na verdade, Eutiques, não era um homem tão erudito para formular por si só uma cristología de reagir em contra do nestorianismo que dividia a Cristo em duas pessoas, caiu no engano de declarar que as duas naturezas de Cristo se fundiram em uma sozinha; cuja conclusão final foi que Cristo não era nem verdadeiro Deus nem verdadeiro homem. Apesar de que Eutiques foi denunciado e excomungado como injuriador de Cristo e deposto de toda atividade sacerdotal em um sínodo reunido em Constantinopla em 448 sob a presidência de Flaviano, este heresiarca não aceitou aquela sentença e apelou ao imperador, apresentando também sua causa ante outros bispos, incluindo leão I o Grande, bispo de Roma. Outro tanto fez Flaviano. Leão emprestou seu apoio a Flaviano, lhe enviando uma extensa carta dogmática conhecida como o Tomo (Tomus Leonis), lhe expondo seu ponto de vista cristológico, o mesmo que era sustentado no Ocidente desde Tertuliano, que consistia em afirmar que em Jesus Cristo, as duas naturezas completas, a divina e a humana, uniam-se em uma pessoa, sem que nenhuma delas sobressaísse em detrimento das propriedades de qualquer das naturezas ou substâncias.

Eutiques achou um pleno apoio na Alexandria, e sobre tudo em Dióscoro, seu patriarca, quem conseguiu com o imperador Teodosio II o Jovem que convocasse novamente o concílio em Éfeso. Como o tinha feito Cirilo, Dióscoro levou a Éfeso o guarda especial de seu bispado e grande número de monges partidários de Eutiques procedentes das fronteiras da Pérsia e Síria, a fim de impor pela força suas convicções teológicas.


O Sínodo Ladrão
O imperador convocou aos bispos de todo o império para tratar esta controvérsia, o qual se reuniu de novo em Éfeso em 449, presidido e dominado pelo Dióscoro, quem tomou a parte do Eutiques, e por não ter assistido Leão, bispo de Roma, mas sim foi representado por dois legados, proibiu-se a leitura de seu Tomo. Como é de supor, o concílio aprovou unanimemente o monofisismo, e Eutiques foi plenamente reabilitado, deposto Flaviano e excomungado Leão. Quando alguém tão somente aludiu às duas naturezas de Cristo, não faltaram vozes pedindo que o tal fosse queimado vivo ou partido em dois. Como Flaviano, o bispo de Constantinopla, era defensor da ortodoxia, Dióscoro, sem escutar os protestos do legado romano, e com o apoio de soldados imperiais, monges e guardas do bispo alexandrino, equilibraram-se contra Flaviano, golpearam-no, pisotearam-no, morrendo ao cabo de três dias, caminho do desterro, como uma triste conseqüência da intolerância e do episcopal ódio. Os bispos, em meio de semelhante alvoroço e pavor, ao achar as portas do templo fechadas quando trataram de fugir, obrigaram-lhes a assinar em papel branco umas atas que foram depois redigidas ao gosto dos dominantes. Não é estranho, pois, que Leão I e os leais a Roma tenham chamado a esta segunda reunião do concílio de Éfeso, "o sínodo de ladrões".

Apesar das denúncias do bispo de Roma e o resto de bispos ocidentais, o imperador se negou a convocar um novo concílio a fim de arrumar este grave assunto. Os bispos eram impotentes para fazê-lo. A partir do Constantino, a Igreja tinha aceito o apoio estatal, e este era parte do preço que tinha que pagar. por agora o monofisismo foi imposto como religião oficial, sou pena de infringir a lei. Mas Leão I não permaneceu passivo e se opôs tenazmente ao monofisismo, condenando as decisões do "sínodo ladrão", e sua intervenção foi decidida, preocupando-se com altas disquisições teológicas, e por fim foi atendido em suas demandas de um novo concílio ecumênico, para cuja convocatória influiu Pulquéria, a esposa do imperador, na ocasião partidária da ortodoxia.


Desenvolvimento do concílio
No ano 451, o imperador Marciano (450-457), sucessor do Teodósio o Jovem, convocou um novo concílio, o qual se reuniu na Calcedônia, conhecido mais tarde como o Quarto Concílio Ecumênico. Abriu suas sessões em 8 de outubro, e se reuniram ao redor de uns seiscentos bispos, a maioria procedente do Oriente. Também esta vez Leão se fez representar por uns legados vindos de Roma, três bispos e dois presbíteros, aos quais prodigalizaram um trato preferencial. Dióscoro não presidiu por não estar de acordo com tal concílio, porém a presidência esteve a cargo dos comissionados imperiais, compartilhada com os representantes romanos. Dióscoro se sentou no banco dos acusados, junto com outros de seus partidários. Foram anuladas as resoluções do "sínodo de ladrões" e se condenou a heresia do Eutiques e Dióscoro; este último foi deposto e excomungado. Foi condenado o monofisismo. Foi lida a profissão de fé da Nicéia, e foi lido e aprovado o Tiro de Leão de onde resumiram uns pontos de vista que incluíram em um credo ou declaração doutrinal que adotaram os congressistas, aonde se denunciam os dois extremos errôneos do nestorianismo e o monofisismo, condenando tanto a confusão das duas naturezas, como a divisão da única Pessoa de Cristo, cuja substância é do seguinte teor:
" "Seguindo, pois, aos Santos pais, nós todos, a uma voz, ensinamos que tem que ser confessado um só e o mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito em divindade e perfeito em humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, de alma racional e corpo, da mesma substância (homousios) com o Pai quanto à divindade, e da mesma substância (homoóusion) conosco quanto à humanidade, semelhante a nós em tudo, menos no pecado (Hebreus 4:15); gerado do Pai antes de todos os tempos quanto à divindade, e o mesmo, nestes dias posteriores, por nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, Mãe de Deus (Theotokos) quanto à humanidade; que se tem feito reconhecer um e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis, não sendo tirada de maneira nenhuma a distinção das duas naturezas pela união, mas bem sendo conservada a peculiaridade de cada natureza e concorrendo cada natureza em uma só pessoa (prosópon) e uma só substância (hypóstasis), não partidas nem separadas em duas pessoas, mas sim um e o mesmo Filho Unigênito, a Palavra divina (Theou Logon), o Senhor Jesus Cristo; como desde o começo declararam os profetas a respeito Dele, e o mesmo Senhor Jesus Cristo nos ensinou, e o credo dos Santos pais transmitiu até nós." "
Como podemos ver no anterior credo, Eutiques foi denunciado como herege e sua crença condenada. Diósforo foi deposto e excomungado, e Flaviano, embora já tinha morrido, foi exonerado post mortem. É importante notar que o Concílio da Calcedônia "oficializou" a supremacia da sede do bispo de Roma sobre as de Constantinopla e as mais antigas de Jerusalém, Antioquía e Alexandria, ficando como segunda a de Constantinopla, diríamos que pondo bases para o posterior Cisma do Oriente. Tenhamos clareza que, de acordo com as Sagradas Escrituras e a Cirilo de Alexandria, o Senhor Jesus foi concebido virginalmente pelo Espírito Santo no ventre da Maria. Diz Lucas 1:35: "Respondendo o anjo, disse-lhe: O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra; pelo qual também o Santo Ser que nascerá, será chamado Filho de Deus"; de maneira porque Maria foi mãe de um Ser homem e Deus de uma vez. Podemos afirmar, pois, que Maria não só era christotokos (mãe de Cristo) mas também, quanto à encarnação do Verbo, theotokos (mãe de Deus).

Oficialmente a autoridade conciliar tinha condenado o arianismo, o nestorianismo e o monofisismo, em termos fiéis à Palavra de Deus, que foram aceitos tanto pelos católicos, como pelos ortodoxos orientais, e ultimamente pelos protestantes. Mas não obstante, o perigo que encerram as definições teológicas conciliar é que eles mesmos as consideraram ortodoxas e acertadas, não porque estivessem de acordo às Sagradas Escrituras, mas sim porque eram inspiradas pelo Espírito Santo; a respeito do qual o mesmo bispo de Roma Gregório o Grande chegou a dizer que as decisões dos primeiros quatro concílios deviam honrar-se ao mesmo tempo que os quatro evangelhos. Entretanto, não lhes pode negar que historicamente foram dotados de autoridade Por Deus, a fim de dirimir estas controvérsias sobre assuntos de tanta importância para a vida da Igreja, mas a declaração de que as decisões conciliar devem honrar-se ao mesmo tempo que as Sagradas Escrituras, contribuiu a introduzir "dogmas" heréticos, pelo fato de ter sido passados por concílios chamados ecumênicos, que muitas vezes subestimaram a verdade de Deus que aparece na Bíblia, Palavra inspirada pelo Espírito Santo. Nos homens nos contradizemos e nos equivocamos, assim seja que se trate de perínclitos e ilustres bispos, doutores em teologia e toda ciência, experientes na política e as inconstantes paixões humanas, reunidos em assembléias da mais alta confiabilidade; mas Deus não se equivoca. Deus é fiel a Sua Palavra e a Seu propósito eterno.

"portanto, como a língua do fogo consome o restolho, e a chama devora a palha, assim será sua raiz como podridão, e sua flor se desvanecerá como pó; porque desprezaram a lei de Jehová dos exércitos, e abominaram a palavra do Santo de Israel" (Is. 5:24). "Seca-a erva, murcha-a flor; mas a palavra nosso Deus permanece para sempre" (Is. 40:8).


Conseqüências
Não obstante a claridade doutrinal do credo calcedônio e as decisões tomadas no terreno cristológico, continuou estendendo o monofisismo e as idéias alexandrinas, em contraposição com o Ocidente sob a liderança de Roma e a parte oriental que reconhecia a Constantinopla e que seguiram apoiando as determinações do Concílio de Calcedônia.

Os monofisitas davam maior ênfase à natureza divina de Cristo, afirmando que a natureza divina transformava a humana de tal maneira que tudo chegava a ser divino, embora ficando algumas características humanas, de maneira que os monofisitas não aceitaram as decisões do Concílio da Calcedônia. Foram influídas pelo monofisismo regiões como parte do Egito, Etiópia, muito da Síria, com tendências em Armênia e Pérsia, com novos brotos de divisão na Igreja e ameaçando a unidade do Império. Quebrados já os vínculos, após as igrejas não calcedonenses, embora muito dizimadas pelo triunfo do mahometanismo, continuam separadas das grandes tradições das igrejas do oriente e ocidente.

Como no fundo o interesse imperial era a unidade política do império por cima dos interesses da Igreja, no ano 476, o imperador Basílico condenou o Tiro de Leão e as decisões da Calcedônia mediante um documento chamado Encyclion. Zenão, outro ardiloso imperador, em 482, em um intento de aproximar dos monofisitas com os calcedônios, publicou um documento propenso a equívocos chamado Henoticom ( "Ato de União"), e dirigido para que fora aceito pelos dois bandos, com a conseqüência de que foi recuzado pelos mais radicais monofisitas, pelos bispos do Ocidente com o de Roma à cabeça, quem rompeu relações com o de Constantinopla por havê-lo aceito. Tenha-se em conta que ao mesmo tempo que se desenvolvia a doutrina do primado romano, é contrapesada esta evolução pelo desenvolvimento paralelo da supremacia de Constantinopla no Oriente, e o concílio de Calcedônia toma parte ativa nisto. O concílio de Calcedônia, elevou ao bispo de Constantinopla a uma fila de igualdade com o de Roma, em sua condição de patriarca da outra capital do Império.

Justificação pela fé.
Por considerá-lo contemporâneo com a época do desenvolvimento dos acordos deste concílio, inserimos o seguinte: Biblicamente a salvação dos homens é só pela graça de Deus, e que os recipientes da graça são predestinados e cujo número é infalivelmente fixo. Pois bem, o sínodo do Orange em 529, cujas decisões tiveram a aprovação papal, acordou que pela graça transmitida mediante o batismo, todos os que se batizam podem, se trabalharem fielmente, fazer aquelas coisas que "pertencem à salvação da alma".

Levemos em conta que houve épocas de eventuais conversões em massa, em que o batismo era virtualmente universal, e nas gerações subseqüentes foi subministrado inclusive às crianças, sem que eles, como é lógico, tivessem consciência daquele ato, de modo que como resultado se supõe que todos poderiam ser salvos, se trabalharem unicamente com Deus, em caso de que executassem aquelas coisas que eram consideradas como mandadas Por Deus por meio da Igreja. Mas, é a salvação por obras? Esta classe de cristianismo professado não é acaso patentemente superficial? Haverá nestas práticas compreensão do verdadeiro sentido do evangelho? Onde tinha ficado a expressão da vida interior do cristianismo?

"9 Quem nos salvou e chamou com chamada santa, não conforme a nossas obras, mas sim segundo o propósito dele e a graça que foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos, 10 mas que agora foi manifestada pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual tirou a morte e tirou a luz a vida e a imortalidade pelo evangelho" (2 Tm. 1:9-10).

Conforme a enorme queda que a Igreja experimentou na história, com sua infidelidade ao Senhor e união com o mundo, quase todas as coisas com que Deus a tinha dotado se perderam, esqueceram-se, ficaram desconhecidas. Por exemplo, perdeu-se a salvação pela graça mediante a fé, a qual foi trocada pelas obras; perdeu-se a vida no Espírito, perdeu-se a regeneração espiritual, perdeu-se a verdadeira comunhão dos Santos; proibiu-se a leitura da Bíblia, perdeu-se a expressão da unidade do corpo de Cristo. O Senhor da Reforma de Lutero e outros, começou a restaurar tudo isso que enumeramos e outras coisas, mas ainda vemos muitos religiosos e até irmãos cristãos, obstinados à salvação por obras, ao cumprimento de leis e ritos, a ter uma aparência de piedade para agradar a Deus e não perder a salvação; mas a salvação não depende de nossas obras, pois depende da obra de Deus, a obra do Senhor Jesus mediante Sua encarnação, Sua morte na cruz e gloriosa ressurreição e ascensão à mão direita do Pai.
A Palavra de Deus diz que Ele nos deu vida quando estávamos mortos em nossos delitos e pecados. Nossa salvação eterna não depende do que nós façamos, mas sim do Deus tem feito; somos salvos pela pura graça de Deus. De nossas obras e de nossa fidelidade e obediência ao Pai, sim depende que participemos ou não com o Senhor no reino milenar. Todos compareceremos ante o tribunal de Cristo, e aí é onde haverá clareza de se negamos a nós mesmos e levamos cada dia nossa cruz.
Entretanto, qual é nossa responsabilidade? Deus nos deu a salvação por meio da obra de Seu Filho, e nossa responsabilidade é aceitar essa salvação. O Senhor te estende esse presente e você está na liberdade de aceitá-lo ou recusá-lo. O evangelho diz: "Porque de tal maneira amou Deus ao mundo, que deu a seu Filho unigênito (a parte de Deus), para que todo aquele que nele crê (a parte do homem), não se perca, mas tenha vida eterna" (João 3:16). Deus revela a Cristo e por Seu Espírito nos convence de pecado de não acreditar em Cristo e nos traz para o Senhor, mas espera que usemos nossa vontade para receber essa salvação. "que crê no Filho tem vida eterna; mas o que se mantém rebelde ao Filho não verá a vida, mas sim a ira de Deus está sobre ele" (João 3:36). A Bíblia diz que alguns não lhe receberam, "mas a todos os que lhe receberam, aos que acreditam em seu nome, deu-lhes poder de serem feitos filhos de Deus" (João 1:12). O Senhor manifesta em Sua Palavra que Ele muitas vezes quis fazer algo, mas nós não quisemos; e Ele respeita nossa vontade.

3- Éfeso

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CONCILIO DE ÉFESO
(III Ecumênico)

O Concílio de Éfeso foi convocado pelo imperador Teodósio o Jovem no ano 431, para falar sobre a controvérsia nestoriana. Nestório ameaçava separar a Pessoa de Cristo. Éfeso, a antiga capital da província romana da Ásia, é uma das sete cidades cujas Igrejas locais receberam cartas enviadas do Senhor por meio de João em Apocalipse.

Antecedentes
O Credo Niceno se referia primariamente à Trindade e às relações entre Seus membros, Pai, Filho e Espírito Santo; mas ficava sem esclarecer com relação do divino e o humano em Jesus Cristo, controvérsia que teria que continuar até o século VII, gerando divisões, das quais algumas seguem persistindo até nossos dias, pelas diferentes interpretações a respeito de como o Filho de Deus e o humano se uniram em Jesus do Nazaré. Apesar dos credos aprovados na Nicéia e Constantinopla, de tudo não tinham terminado as especulações em torno da Pessoa do Senhor Jesus.
As duas principais escola teológicas desse tempo, a da Alexandria e a da Antióquia tiveram seu enfrentamento encabeçado por seus dois patriarcas, Nestório de Constantinopla da de Antióquia e Cirilo de Alexandria. A escola da Alexandria interpretava as Escrituras alegoricamente, reduzindo ao mínimo o histórico, com a tendência de enfatizar ao elemento divino, reduzindo o aspecto humano em Jesus, e seu grande expoente foi Apolinário, bispo de Laodicéia. Na escola de Antióquia, com teólogos da estatura de Diodoro de Tarso, Teodoro da mopsuéstia, Nestório e Teodoreto, cultivava-se a erudição, rechaçava-se a exegese alegórica e dava muita importância ao estudo de documentos sobre o aspecto histórico dos evangelhos e que continham a vida de Jesus; daí que ali lhe dessem maior ênfase ao elemento humano, sem que negassem a deidade do Senhor, mas diferenciando-o de tal maneira do elemento divino, que dava a impressão que para alguns de seus representantes, em Jesus houve dois seres separados.
Como se vê, ambas as escolas se foram a extremos tais, que saíam da sã exegese do contexto bíblico. A escola da Alexandria nesse ponto era como uma ampliação do ensino de Atanásio. Recordemos que Atanásio enfatizava que «o Logos, quem era Deus da eternidade, fez-se homem».
Muitos pensadores cristãos, tanto da escola de Alexandria como da de Antióquia, não tinham clareza sobre a relação existente entre a divindade e a humanidade do Senhor. Embora ambas as escolas aceitavam a humanidade e a divindade do Salvador, entretanto em Alexandria pensavam que a natureza divina penetrou na humana como o fogo em uma brasa acesa. Enquanto que em Antióquia conceituavam que em Cristo havia duas Pessoas, a divina e a humana.
Esta controvérsia cristológica continuou até o ponto de destacar-se dois extremos: por um lado Nestório, bispo de Constantinopla, discípulo de Teodoro da mopsuéstia, como seguidor e sustentador da tese da escola da Antióquia, sustentava o das duas pessoas em Cristo, ensinando que o Verbo de Deus morou no homem Jesus; e por outro, o ambicioso Cirilo, sucessor do Teófilo no patriarcado da Alexandria desde 412 até 444, quem falava de uma só natureza em Cristo, como se no Verbo encarnado, a divindade tivesse absorvido à humanidade; de maneira que nenhuma das duas escolas de pensamento via com clareza as duas naturezas em uma mesma pessoa invisível. Com Cirilo estavam várias classes de monofisitas, ou seja, os seguidores da doutrina teológica que não reconhece duas naturezas distintas em Jesus Cristo, a divina e a humana, a não ser uma só natureza teândrica. Os monofisitas à larga foram criando historicamente suas próprias Igrejas nacionais como a Armênia, a Etiópica, a Copta do Egito e a Siríaca-Jacobita.
Como se vê, Nestório e Cirilo são os dois grandes protagonistas do Concílio de Éfeso; grandes rivais, cujas raízes se aprofundam nas ambições, poder e hegemonia eclesiástica no Oriente, e entre todo esse matagal de conflitos e ódios, enredava-se o assunto cristológico; mas o que aparentemente acendeu a rivalidade entre o Cirilo e Nestório foi a polêmica relacionada com a Maria assim que mãe de Jesus. A escola de Alexandria, com o Cirilo à cabeça e sob uma capa de ortodoxia nicena, aplicava a Maria o nome do Theotocos (Mãe de Deus), o qual não aceitava a de Antioquia.
Nestório, homem erudito e prudente, como bispo de Constantinopla, atacou as heresias, em especial o abandono das correntes arianas; mas como autêntico representante da escola de Antióquia, para referir-se a María em seus sermões, recusava empregar o termo grego Theotokos (Mãe de Deus), e preferia em troca Christotokos (mãe de Cristo), pois dizia que o que tinha nascido da Maria não era Deus, a não ser o templo aonde veio Deus a morar, e deixava ao descoberto que não compreendia o significado da união das duas naturezas na Pessoa de Cristo.

Cirilo sustentava que o Verbo eterno veio e nasceu segundo a carne porque assumiu pessoalmente a natureza humana, por nossa salvação. Neste sentido, toda esta controvérsia segue girando em torno da cristología, pois ainda não se iniciou a mÁriologia como sistema teológico. É certo que sendo o Verbo de Deus, Deus desde toda a eternidade, Maria não foi a mãe de Sua natureza divina. Entretanto, é bom nos localizar em um prudente término médio, pois embora é certo que Maria é mãe da humanidade do Filho de Deus, não é menos certo que o que nasceu de seu ventre também é Deus desde toda a eternidade, e não é bom confundir as palavras natureza e pessoa, que são bem distintas, e assim evitar o monofisismo. Em Jesus há duas naturezas mas uma só Pessoa. se recorde que só no concílio da Calcedônia vieram a afirmá-las duas naturezas da única pessoa de Cristo. Esclarecemos que foram os seguidores de Nestório os que posteriormente concluíram que em Jesus tinha que haver duas pessoas.
diz-se que houve um acalorado e inútil intercâmbio de cartas entre os dois bispos, Nestório e Cirilo. Mais tarde ambos escreveram ao Celestino, bispo de Roma, quem falhou contra Nestório, talvez movido porque Cirilo tinha sido mais condescendente para com ele que seu rival, e, além disso, porque Nestório se mostrou um pouco hospitalar com uns pelagianos que tinham fugido a Constantinopla. Tudo isto foi se agravando, e foi necessária a convocatória de um concílio geral que tratasse esta controvérsia.

O Concílio
O concílio de Éfeso foi convocado pelo imperador Teodósio o Jovem, para ser iniciado para o Pentecostés do ano 431. Como dado curioso anotamos que a este concílio foi convidado Agostinho da Hipona, mas não recebeu o convite devido a sua cidade eventualmente se achava sitiada pelos vândalos, ano em que também morreu.
Cirilo e seus seguidores, em total uns setenta e oito que já tinham chegado, e sob a presidência de Cirilo, o principal opositor, e face aos protestos dos presentes, inauguraram as sessões em 22 de junho do ano 431, sem esperar ao patriarca João de Antióquia, nem aos amigos de Nestório, os bispos da escola da Antióquia, nem aos legados de Celestino, o bispo de Roma e o resto de bispos ocidentais. Ante este fato, Nestório se negou a comparecer. Nestório via em Cirilo não só ao chefe do concílio de Éfeso, mas também também ao juiz, ao acusador e monopolizador de tudo. diz-se que, contra a prática conciliar, em uma sessão que durou todo o dia, o Concílio condenou e depôs a Nestório, declarando-o o novo Judas, com o aval de Memnon, o bispo do Éfeso, quem se encarregou de excitar o povo da cidade, quem mais tarde cometeram atos de violência contra Nestório e seus partidários. A sentença contra Nestório finalmente foi assinada por 198 bispos. Cirilo e seus partidários celebravam um triunfo da Santa Virgem, mais que da doutrina cristológica, que em últimas era a questão do debate, e toda a província estava interessada nas conclusões do concílio, se tivermos em conta que de acordo à tradição, a Virgem María viveu seus últimos anos e morreu na cidade de Éfeso, e o ardor dos provincianos por Maria tinha apagado o que antigamente tinham tido por Diana dos efésios *(1). Fazendo ornamento de um cristianismo decadente, é responsabilidade do Cirilo o ter misturado um elemento de tintura supersticioso, como é a piedade popular efesina para a virgem Maria, com a discussão de uma controvérsia teológica como é a cristología, com suas graves conseqüências no futuro do dogma do Ocidente, a tal ponto que nos tempos que vivemos há sérios projetos de declará-la dogmáticamente corredentora e mediadora de todas as obrigado.
*(1) Atos dos Apóstolos, cap. 19.

Quando chegaram João, bispo da Antióquia e o resto de partidários de Nestório, somando uns quarenta e três, e pretendendo ser o legítimo concílio, também se reuniram em assembléia e condenaram, depuseram e excomungaram a Cirilo e a Memnón, acusando os de arianos e apolinários. Poucos dias depois atracou ao Éfeso a delegação de bispos que representava a Celestino de Roma, e fazendo a sessão com a maioria, excomungaram a João e seu partido.
Havendo ambos os bandos apelado ao imperador, este, tratando de conciliar os dois partidos, confirmou que se depusesse de seus cargos e se detiveram os dois chefes das duas facções, João e Cirilo, assim como a Memnón; mas chegados os legados do bispo de Roma, se puseram de lado de Cirilo e solicitaram que se reabrisse o concílio, e se iniciou um largo trabalho de reconciliação entre João e Cirilo, que ao final resultou em que Cirilo acabou aceitando uma fórmula de fé proposta por João de Antióquia. Este concílio, ao fim e ao cabo dominado por Cirilo, inclinou-se para a escola de pensamento teológico da Alexandria com seu sistema alegórico de interpretação bíblica, herdado de Filão, Orígenes e Clemente, entre outros, e que exerceu influência na cristandade, cujas conseqüências tiveram que ver no descuido de que foi objeto a Bíblia na idade Média, e à larga o sistema alegórico de exegese bíblica fortaleceu o clericalismo e a hegemonia papal. Entretanto, a fórmula contribuída por João de Antióquia, salvou este concilio de cair no monofisismo, pois Cirilo teve que renunciar a alguns de seus pontos. Transcrevemo-la a seguir:
"Confessamos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, composto de um corpo e uma alma racionais; que foi gerado do Pai desde antes de todos os tempos quanto a sua divindade, e quanto a sua humanidade nasceu de uma virgem no cumprimento do tempo, por nós e por nossa salvação; que é da mesma substância que o Pai referente à divindade e da mesma substância que nós referente à humanidade, já que as duas naturezas estão unidas a uma à outra. De maneira que não reconhecemos mais que um só Cristo, um só Filho e um só Senhor. Por causa desta união, isenta de toda mescla, reconhecemos igualmente que a Santa Virgem é mãe de Deus, porque o Verbo, feito carne, uniu-se a partir da concepção ao templo tirado dela. Quanto às expressões evangélicas e apostólicas sobre Cristo, uma parte das quais os teólogos aplicam às duas naturezas, porque se referem a uma só Pessoa, enquanto que distinguem as outras, porque se referem a alguma das duas naturezas e as expressões que convêm a Deus se dirigem à divindade, enquanto que as expressões que assinalam a humanidade se dirigem à humanidade".
Nestório foi o que levou a pior parte, pois se lhe mandou que vivesse à frente em um monastério, e mais tarde lhe exilou no Alto Egito aonde viveu em condições supremamente angustiosas, tanto físicas como mentais. diz-se que adoeceu por longos anos no deserto. Estando no exílio escreveu sua defesa em uma confusa declaração de sua fé, sustentando a presença do divino e o humano em Cristo, mas com dois seres ou pessoas distintas. Nestório não admitia que o Logos divino tivesse relação com sofrimento ou debilidade humana alguma, e sustentava que seus oponentes alexandrinos incorriam em engano ao superestimar a divindade de Jesus Cristo às custas de sua humanidade. A opinião da maioria era que em Cristo há duas naturezas coexistentes em uma pessoa (prosopon) e uma substância (hypostasis). Apesar das perseguições, os nestorianos ainda existem em países como Curdistão, Pérsia e países do Próximo Oriente, aonde somam 150.000 fiéis.

Éfeso e o pelagianismo
Este concílio refutou os enganos de Pelágio; controvérsia trazida ao concílio pela representação ocidental, já não de tipo cristológico a não ser antropológico. Pelagio era um monge britânico que ensinava a salvação do homem por seus próprios méritos e esforços, sem necessidade da graça divina, e que o homem não herda sua natureza pecaminosa de Adão. Pelágio não descartava a graça de Deus como valiosa, mas para ele não era indispensável para a salvação. Para refutar e condenar esta heresia, este concílio usou o importante trabalho elaborado por Agostinho, bispo de Hipona, no norte da África, aonde expor claramente as doutrinas bíblicas da universalidade do pecado, a incapacidade natural do homem para obrar o bem e conseguir sua própria salvação, e de que o homem em forma absoluta necessita da graça de Deus para salvar-se e perseverar na fé.
A doutrina bíblica da graça, esse dom imerecido de Deus a favor de nós os homens, tão claramente exposta no Novo Testamento, em especial nas cartas do Paulo, foi duramente desprezada pelo inimigo de Deus e da Igreja. Como todos os enganos e heresias, o pelagianismo e semi-pelagianismo, apesar de terem sido condenados em sínodos e concílios, teve seus cultivadores ao longo da história, e paradoxalmente hoje existem grandes vertentes da cristandade que seguem mantendo a ênfase na graça de Deus, mas mesclada com obras, em detrimento de doutrina bíblica da predestinação e a soberania de Deus na eleição e a perseverança dos Santos. O homem sim deve cooperar com a graça de Deus no sentido de usar sua vontade para receber voluntariamente a salvação, pois a salvação não é algo irresistível; mas uma vez salvo, o homem é sempre salvo. A Palavra de Deus diz que o homem por si só não pode fazer o bem nem salvar-se; e que a salvação é um presente de Deus que ninguém merece nem no passado, nem no presente nem no futuro.

"18 E eu sei que em mim, isto é, em minha carne, não habita bem nenhum; porque o querer o bem está em mim, mas não o fazê-lo. 7 Por quanto a mente carnal é inimizade contra Deus; porque não se sujeita à lei de Deus, nem tampouco pode" (Ro. 7:18; 8:7).
"Porque o pagamento o pecado é morte, mas a dádiva de Deus é vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor" (Ro. 6:23).
"28 E sabemos que aos que amam a Deus, todas as coisas ajudam para o bem dele, isto é, aos que conforme a seu propósito são chamados. 29Porque aos que antes conheceu, também os predestinou para que fossem feitos conforme à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. 30 E aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou. 38Pelo qual estou seguro de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem potestades, nem o presente, nem o futuro, 39nem o alto, nem o profundo, nem nenhuma outra coisa criada nos poderá separar do amor de Deus, que é em Cristo Jesus nosso Senhor" (Ro. 8:28-30, 38-39).
"3 Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos benzeu com toda bênção espiritual nos lugares celestiais em Cristo, 4segundo nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos Santos e sem mancha diante dele, 5em amor nos havendo destinado para ser adotados seus filhos por meio do Jesus Cristo, segundo o puro afeto de sua vontade. 11 Nele deste modo tivemos herança, tendo sido predestinados conforme ao propósito de que faz todas as coisas segundo o intuito de sua vontade" (Ef. 1:3-5, 11).
Note-se que a palavra diz que ninguém se salva por seus próprios méritos, ninguém se salva por obras ou obedecer leis; o homem não tem essa capacidade; mas sim foi destinado desde antes da fundação do mundo para esta salvação tão grande, cuja fonte é a exclusiva vontade de Deus.
"8Porque por graça são salvos por meio da fé; e isto não vem de vós, pois é dom de Deus; 9 não por obras para que ninguém se glorifique" (Ef. 2:8,9).
"Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e acreditaram todos os que estavam ordenados para vida eterna" (At. 13:48).

Consequências
As duas grandes conseqüências negativas do concílio de Éfeso são o monofisismo e a mÁriologia. O monofisismo se desprende dos conceitos alexandrinos, com Cirilo como um de seus fundamentos, ao apresentar à natureza divina de Cristo penetrando e absorvendo à humanidade como o fogo à brasa ardendo, dando por resultado que em Cristo se dá uma só natureza.
Quanto a mÁriologia, embora nesse tempo ainda não se dava um culto público a Maria, com o tempo vimos a mÁriolatria que se desenvolveu, devido a desnecessária ênfase que a declaração do Theotocos ou Mãe de Deus que foi conferida em Éfeso, lhe concedeu nos séculos posteriores, o qual há concorrido em alguma maneira com o rigor da cristocentricidade que caracteriza toda a teologia bíblica.
O triunfo do arbitrário sistema alegórico alexandrino contribuiu deste modo a que se obscurecesse o significado dos textos bíblicos, o qual trouxe como conseqüência que a Palavra de Deus perdesse autoridade, surgisse o escolasticismo no afã de procurar luz por meio do uso da razão e a filosofia aristotélica, e se colocasse a autoridade da Igreja e da Tradição por cima da autoridade da Escritura. Apesar de seus esforços por corrigir esta situação, o sistema católico romano segue insistindo e adotando um "magistério" para a interpretação bíblica. Por estas razões vimos que através dos séculos a Bíblia foi considerada como um livro escuro, oculto, de difícil interpretação, chegando a difundir-se inclusive a peregrina idéia de que quem lesse a Bíblia poderia perder a razão. Mas a mesma Palavra de Deus diz:"15 E que da infância soubeste as Sagradas Escrituras, as quais lhe podem fazer sábio para a salvação pela fé que é em Cristo Jesus. 16Toda a Escritura é inspirada Por Deus, e útil para ensinar, para replicar, para corrigir, para instruir em justiça, 17a fim de que o homem de Deus seja perfeito, inteiramente preparado para toda boa obra" (2 Timóteo 3:15-17).

2-Constantinopla I

2
PRIMEIRO CONCÍLIO DE
CONSTANTINOPLA
(II Ecumênico)


Reunido na cidade de Constantinopla em 381; convocado pelo imperador Teodósio. Confirmou e formulou o chamado credo de Nicéia. Condenou a posição do Apolinário quem negava a perfeita humanidade de Cristo. Também condenou o macedonismo, que negava a deidade do Espírito Santo.


Panorama pré-conciliar

Apesar de que em Nicéia 300 bispos tinham assinado condenando a heresia ariana, esta controvérsia seguiu comovendo à cristandade por mais do meio século, pois muitos bispos orientais tinham assinado com reservas, e suas respectivas Igrejas seguiram ensinando a cristologia com certa inclinação semi-ariana. Os sucessivos imperadores foram tomando as questões da Igreja como problemas do Estado, de modo que sua intervenção podia ter reflexos de garantia para a aparente e fantasiosa unidade. Mas no fundo conduzia problemas e afastava à Igreja da simplicidade que emana da Palavra de Deus. Por muito confessional que possa parecer o Estado, não se ajusta aos parâmetros bíblicos da Igreja, de modo que as intervenções do Estado são baseadas muitas vezes em motivações diferentes aos interesses do Senhor da Igreja; e assim vemos que o próprio Constantino que convocou o Concílio da Nicéia para dirimir e condenar o problema ariano, e
decretou o exílio de Ário e dois de seus seguidores, é o próprio vacilante Constantino que depois protegia tanto aos arianos como aos seguidores da ortodoxia Nicéia, pois dois anos depois do primeiro concílio ecumênico, Ário se reconciliou com o imperador, em parte devido a que se apresentou com a astúcia de uma confissão de fé ambígua guardando-se de fazer referencia aos pontos controvertidos, e em parte aos bons ofícios de Eusébio de Nicomédia e os discípulos da escola de Luciano de Antioquia, que lograram formar uma coligação anti-nicéia, arremetendo de passo contra Atanásio e demais dirigentes Nicenos, dez dos quais foram levados ao exílio, assim como a Eustáquio, o ancião bispo de Antioquia, acérrimo opositor do arianismo, que foi desterrado no ano 330, junto com um bom número de seus presbíteros.
Atanásio, o porta-bandeira da causa nicéia, sucedeu a Alexandre de Alexandria no cargo de bispo, quando este faleceu na primavera do ano 328, três anos depois do Concílio da Nicéia; e já em suas funções episcopais seguiu sofrendo as arremetidas dos arianos. Por exemplo, no ano 335, Atanásio fez ato de presença em um sínodo de 150 bispos reunidos em Tiro, mas a maioria estava dirigida por Eusébio de Nicomédia. Em suas acaloradas sessões, não achando seus inimigos acusações de heresia contra Atanásio, acusaram-no de "tirania episcopal".

Mas aquele sínodo, considerado escandaloso, cheio de farsa e iniqüidade, chegou ao cúmulo quando designou uma comissão, logicamente composta por arianos, para que investigasse em Alexandria, sede do episcopado do Atanásio; em vista do qual, Atanásio e seus amigos abandonaram aquele sínodo. Depois Eusébio de Nicomédia acusou a Atanásio ante o imperador como culpado do atraso que tinham vindo sofrendo os abastecimentos de trigo do Egito a Constantinopla; e sem fórmula de julgamento, Atanásio foi banido ao Tréveris, de onde mais tarde retornou a reassumir suas funções de bispo de Alexandria.Depois da morte de Constantino, acontecida em 22 de Maio de 337, Constancio, filho e sucessor de Constantino, depôs e desterrou de novo a Atanásio em 339, e em seu lugar fez que um concílio elegesse como bispo de Alexandria ao Ariano Gregório de Capadócia. Depois do de Tiro, se sucedem uma série de sínodos, uns com supremacia de bispos ocidentais zelosos da ortodoxia Nicena, e outros com supremacia de bispos orientais pró-arianos ou semi-arianos; e é assim como em Roma, Antioquia e Sárdica continuaram essas discussões e acusações contra Atanásio de Alexandria e seus amigos, acusando-o de fantásticas imoralidades e crimes. O imperador Constâncio arremetia sua perseguição contra Atanásio, e sem razões pedia aos bispos do ocidente que o condenaram. Os novos sínodos reunidos em Arles e Milão, só serviram para mandar ao exílio a todos os bispos que não se submeteram, como Paulino de Tréveris, Dionísio de Milão e HilÁrio de Poitiers, quem foi deportado a Ásia na primavera de 356. A mesma sorte sofreu Libério, o bispo de Roma, por haver-se oposto a condenar Atanásio sem havê-lo escutado. Atanásio mesmo teve que escapar ao deserto egípcio na noite de 8 de fevereiro de 356, com ocasião em que uma tropa imperial de cinco mil homens rodeou o templo de Theonas e a congregação caiu como em uma ratoeira; mas do deserto, com seus escritos, testemunho e influência nos fiéis, Atanásio seguia perseguindo as arbitrariedades e injustiças de um imperador cego à realidade.

É extremamente importante registrar nestas notas à margem que Libério (352-366), o bispo de Roma exilado pelo imperador Constâncio, e a quem o catolicismo romano tem na lista de papas desse sistema, apostatou da bíblica verdade cristológica que confessava Atanásio e que foi defendida por 300 bispos em Nicéia, desmentindo as pretensões do posterior concílio Vaticano I, de que o bispo de Roma, como suposto sucessor de São Pedro, não pode equivocar-se em questões de fé, e é considerado isento de todo engano. Deram-lhe duro os rigores do exílio, tendo saudades as comodidades de sua sede episcopal romana, e dando seu consentimento a uma fórmula de fé semi-ariana, o imperador o reintegrou a seu cargo. Deste deplorável feito dão evidências mais de dois testemunhos, como o de Atanásio em seus escritos Apologia contra os arianos e a História dos arianos; Jerônimo relata duas vezes esta apostasia; Hilário de Poitiers em sua obra Contra Constantium Imperatorem; Hermias Sozomeno em sua história eclesiástica, e por último as cartas do próprio Libério. A Constâncio, lhe sucedeu no trono Juliano o apóstata (361-363), um dos dois sobrinhos que puderam escapar de serem assassinados por ordem dos filhos de Constantino. Juliano quis reviver no império o cadáver do paganismo, mas sem êxito. Durante seu governo, em 362, reuniu-se em Alexandria um concílio com setenta e um bispos. Como a política de Juliano tampouco foi favorável para os arianos, nesse concílio retornaram à fé da Nicéia muitos dos arianos, quem foi admitidos sem outra condição que sua confissão de dita fé.
Juliano mandou ao exílio uma vez mais a Atanásio, «o detestável Atanásio», como chamava ele, quando soube que um considerável número de damas pagãs tinham recebido o batismo. Mas Atanásio, posteriormente, durante o governo do imperador Valente (364-378) sofreu seu quinto e último desterro, morrendo no ano 373, depois de passar seus últimos sete anos dedicados a seu trabalho em sua sede episcopal
O imperador Graciano (367-383), um dos filhos e sucessores do cristão Valentiniano, renunciou ao título pagão do Pontifex Máximus, que mais tarde tomaria para si o bispo de Roma. Graciano nomeou ao general espanhol Teodósio imperador do Oriente (379-395), quem acabou com a liberdade de todos os cultos decretada por Constantino em Milão, e converteu o Cristianismo de acordo à fé nicena, em religião oficial do estado romano. Com Teodosio toma força um ponto eclesiológico controversial de difícil diferenciação: a Igreja-instituição e a Igreja do Espírito.

O Concílio
Teodósio, a fim de dar término definitivo às disputas teológicas que tinham vindo dividindo a cristandade e a unidade do império, decidiu convocar um concílio em Constantinopla, cidade convertida já na capital do Império, considerada a "Nova Roma". Este concílio, o Segundo Ecumênico, é o primeiro de Constantinopla, e foi inaugurado em maio do 381, sob a presidência do Melécio, bispo da Antioquía, e com a assistência de uns cento e cinqüenta bispos, todos da ala oriental da cristandade, entre os quais podemos nomear ao Gregório da Nissa, Heladio da Cesaréia, Timóteo da Alexandria, Cirilo de Jerusalém e Gregório Nazianzeno, bispo de Constantinopla. Não teve delegados do ocidente, nem sequer de Dâmaso, bispo de Roma.
Melécio, bispo da Antioquía, ocupou a presidência do concílio por pouco tempo, pois faleceu pouco depois de inaugurada a assembléia. Mas o curioso é que Melécio disputou a sede episcopal com Paulino; e não obstante que Dâmaso, o bispo de Roma, estava a favor de Paulino, os bispos orientais deram seu apoio a Melécio; onde se prova que nessa época, ano 375, os bispos da cristandade ainda não consideravam primazia alguma no bispo de Roma, pois ainda não tinha se produzido a doutrina do Concílio Vaticano I a respeito. E o mais curioso é que com a morte do Melécio, os bispos não se preocuparam com reconhecer a Paulino para lhe suceder, e assim procurar uma aproximação com Dâmaso, mas sim escolheram a Flávio. Dâmaso nem sequer foi convidado ao concílio.
Com a morte de Melécio, na presidência do concílio sucedeu Gregório Nazianzeno, quem no ano 379 tinha chegado a Constantinopla como missionário, mas depois de um trabalho frutífero, em 24 de Novembro de 380, o imperador Teodósio lhe entregou o episcopado da cidade, mas o bispo de Alexandria e os egípcios, levados por ciúmes de supremacia de Constantinopla sobre a Alexandria, fizeram- oposição a Gregório, quem em um inesperado gesto de nobreza cristã, retirou-se do concílio e da sede constantinopolitana. Então, tanto na sede episcopal de Constantinopla como na presidência do concílio, Gregório foi sucedido por Nectário, um senador que quanto à maturidade ainda era um catecúmeno.

Alguns pontos conciliares canonizados
Desejando Teodósio ter um patriarcado perto de sua corte, os bispos reunidos neste concílio, dividiram a cristandade confirmando cinco patriarcados (que na prática era considerado um grau superior da hierarquia eclesiástica até por cima dos bispos): Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquía e Jerusalém; mas lhes advertindo que se circunscrevessem a suas respectivas sedes e que se guardassem de misturar-se nos assuntos de outras províncias eclesiásticas, pois se tratava de primazias de honra e não de autoridade. Desta maneira concedem um primado de honra ao patriarca de Constantinopla depois do de Roma, já considerada a "Nova Roma", e isto, em vez de resolver certos problemas de rivalidades entre bispos, agravou-os, pois estes cânones jamais foram admitidos por Roma.
Por muita força que tivesse gozado em todo o Império o arianismo ao redor do ano 355, devido ao favor oficial, isto não impediu que trinta anos depois, na época do primeiro concílio de Constantinopla, essa heresia já se encontrava quase completamente rasgada, pois terá que se ter em conta que não se pode impunemente negar bem seja a humanidade ou a divindade de Jesus Cristo, e que a fé cristã não pode impor-se nem destruir-se mediante decretos do Estado, nem a Igreja do Senhor sobrevive porque seja amparada por Pessoas jurídicas. A vida da Igreja é o próprio Senhor, quem está por cima dos julgamentos dos homens, e as portas do Hades não podem prevalecer contra ela.
Este concílio, no Canon I, confirmou a fé da Nicéia e amaldiçoou aos que não a aceitassem, condenando especificamente ao arianismo, ao semi-arianismo, aos eunomianos ou amoneos, aos sabelianos, aos marcelianos, aos totinianos, ao macedonianismo, e ao apolinarismo. Todas estas escolas de engano se relacionam em uma ou outra forma com a cristología. Não esqueçamos que o arianismo foi uma reação filosófica em contra do Evangelho do Filho de Deus.
Eunomio ( 395), bispo do Cícico, de raízes aristotélicas e neoplatônicas, foi o inspirador de um certo arianismo, com cuja doutrina afirmava que a única coisa que sabemos de Deus é que é o Ser não gerado, sem que entrasse o Senhor Jesus na revelação divina.
O macedonianismo é um semi-arianismo que vem do Macedônio, quem com a ajuda ariana foi eleito bispo de Constantinopla em 341. Macedônio negava a divindade de Cristo e do Espírito Santo, pois dizia que se o Filho for uma criatura do Pai, pela qual foram feitas todas as coisas, desprende-se então que o Espírito Santo é uma criação do Filho. O macedonianismo foi combatido por Atanásio, Gregório da Nissa e Hilário de Poitiers e açoitado pelo imperador Teodósio.
O que era o apolinarismo? Provém de Apolinário, bispo de Laodicéia pelo ano de 360 D.C. Nascido por volta de ano 310, tinha sido amigo de Atanásio de Alexandria e por conseguinte opositor de Ário e defensor do Credo da Nicéia, tomando como ponto de partida o fato de que Cristo é Deus e homem, mas negava a perfeita humanidade de Cristo. Mesclando seus conhecimentos filosóficos com os bíblicos, Apolinário se foi ao outro extremo de Ário, pois este negava a perfeita deidade de Cristo, e Apolinário a perfeita humanidade do Redentor. No que consistia seu enfoque cristológico? Apoiando-se em textos tais como João 1:14,*(1) Romanos 8:3 *(2) e 1 Tessalonicenses 5:23,*(3) admitia a tricotomía humana (espírito, alma e corpo), mas que a humanidade de Cristo só possuía o corpo e princípio de vida, quer dizer, a alma, pois o Logos divino tinha tomado o lugar do espírito, de maneira que negava que Cristo tivesse espírito humano, e em conseqüência Sua humanidade era imperfeita.
*(1) "E aquele Verbo foi feito carne, e habitou entre nós (e vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai), cheio de graça e de verdade" (João 1:14).
* (2) "Porque o que era impossível para a lei, por quanto era fraco pela carne, Deus, enviando a seu Filho em semelhança de carne de pecado e a causa do pecado, condenou ao pecado na carne" (Ro. 8:3).
*(3) "E o mesmo Deus de paz lhes santifique por completo; e todo seu ser, espírito, alma e corpo, seja guardado irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tessalonicenses 5:23).
Os Capadócios (Gregório Nazianzeno, Gregório da Nissa e Basílio o Grande) responderam e refutaram a Apolinário, declarando que se Cristo não for verdadeiro homem, como se explicariam as limitações que demonstrou durante sua vida nesta terra e a luta entre a vontade humana e a divina (Lucas 22:42)? Além disso, uma humanidade imperfeita não afetaria Sua capacidade para salvar, pois o pecado afeta ao homem nas três partes que o compõem?

O concílio da Nicéia, por causa do arianismo, centrou-se em defender a divindade de Jesus Cristo, mas não se ocupou de precisar questões cristológicas como a relação entre a natureza divina e a humana do Salvador, nem trinitárias como a divindade do Espírito Santo, assuntos que foram surgindo e que entraram no temário dos próximos concílios, sobre tudo o da Calcedônia em matéria cristológica. A seguir transcrevemos o credo aprovado no primeiro concílio de Constantinopla, que por ser uma ampliação do da Nicéia, lhe chama Credo Niceno-Constantinopolitano, o qual confessa a plena divindade do Espírito Santo:
" Cremos em um só Deus, Pai onipotente, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis ou invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, nascido não feito, consubstancial com o Pai, por quem foram feitas todas as coisas; que por nós os homens e por nossa salvação desceu dos céus e se encarnou por obra do Espírito Santo na Maria Virgem, e se fez homem, e foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras, e subiu aos céus, e está sentado à mão direita do Pai, e outra vez tem que vir com glória a julgar aos vivos e aos mortos; e seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e lhe vivificante, que procede do Pai, que junto com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, que falou pelos profetas. Em uma só Santa Igreja Católica e Apostólica. Esperamos a ressurreição da carne e a vida do século futuro. Amém".
O imperador Teodósio converteu os cânones deste concilio em lei do estado imperial. Tendo em conta que Roma não aceitou as decisões deste concílio, o mesmo marca o começo das rivalidades entre os blocos da cristandade do Oriente e Ocidente, que perduram até hoje. Este concílio representa um terminante desmentido às pretendidas teorias da legitimidade do papado romano. Em todo o desenvolvimento, deliberações e acordos deste concílio, nem sequer se faz uma alusão ao bispo de Roma, pois o papado não tinha sido inventado ainda.

Algumas considerações cristológicas
Como vimos, nos primeiros séculos da vida da Igreja, o Espírito Santo estava se movendo a fim de que ficasse estabelecida toda a clareza sobre Deus, sobre a Trindade Divina e sobre o Jesus Cristo. Notem as causas fundamentais que motivaram a convocação dos dois primeiros grandes concílios ecumênicos. O arianismo tinha irrompido em torno das tergiversações cristológicas do momento, embora o Senhor por Sua Palavra já tinha falado a respeito. O que diz a Palavra de Deus respeito de Jesus Cristo? Vejamos algumas das muitas entrevistas onde Deus afirma, entre outras coisas, que Seu Filho é Deus desde toda a eternidade, que o Filho é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que todas as coisas foram feitas por Ele, que o Filho morreu na cruz e não o Pai.
"1 No princípio era o Verbo, e o Verbo era com Deus, e o Verbo era Deus. Este era no princípio com Deus. 3Todas as coisas por ele foram feitas, e sem ele nada do que foi feito, foi feito" (João 1:1-3).

"2Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne, é de Deus; 3 e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo não veio em carne, não é de Deus; e este é o espírito do anticristo" (1 João 4:2-3).
"Porque um menino nos é nascido, filho nos é dado, e o principado sobre seu ombro; e se chamará seu nome Maravilhoso, Conselheiro, Deus forte, Pai eterno, Príncipe de paz" (Isaías 9:6).
"Então Jesus lhes disse: Minha alma (humana) está muito triste, até a morte; fique aqui, e velem comigo" (Mt. 26:38).
"Então Jesus, clamando a grande voz, disse: Pai, em suas mãos encomendo meu espírito (humano). E havendo dito isto, expirou" (Lucas 23:46)

"Agora, pois, Pai, me glorifique você para contigo, com aquela glória que tive contigo antes que o mundo fosse" (João 17:5).
"15 Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criação. 16Porque nele foram criadas todas as coisas, as que há nos céus e as que há na terra, visíveis e invisíveis; sejam tronos, sejam domínios, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por meio dele e para ele. 17 E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas nele subsistem" (Colossenses. 1:15-17).
De acordo ao contexto da citação anterior, todas as coisas foram feitas por meio de Cristo; uma criatura não pode ser o criador das coisas. Quando diz que Ele é o primogênito de toda criação, não implica que Jesus Cristo fora uma criação, mas sim a Palavra de Deus o diz no sentido de gozar de uma posição única em relação com a criação.
"3 O qual (Cristo), sendo o resplendor de sua glória, e a imagem exata de sua substância, e quem sustenta todas as coisas com a palavra de seu poder, tendo efetuado a purificação de nossos pecados por meio de si mesmo, sentou-se à mão direita da Majestade nas alturas, 4 feito tanto superior aos anjos, quanto herdou mais excelente nome que eles. 5Porque a qual dos anjos disse Deus jamais: Meu Filho é você, eu te gerei hoje, e outra vez: Eu serei a ele Pai e ele será para mim filho? 6 e outra vez, quando introduz ao Primogênito no mundo, diz: lhe adorem todos os anjos de Deus" (Hb. 1:3-6).
Cristo foi gerado (desde toda a eternidade) pelo Pai, não criado. O Filho é gerado ao contemplar o Pai a imagem de Si mesmo; e o amor que une ao Pai e ao Filho é o Espírito Santo. A Bíblia fala de três Pessoas em essência (a Trindade essencial) (a imagem própria de Sua substância), as quais embora tudo o fazem em comunhão, cada uma tem sua atividade específica nos propósitos de Deus (a Trindade econômica).
"Mas sabemos que o Filho de Deus veio, e nos deu entendimento para conhecer que é verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus, e a vida eterna" (1 João 5:20).

1-Nicéia

1

O CONCÍLIO DE NICÉIA

(I Ecumênico)


Convocado pelo imperador Constantino o Grande. Reunido em Nicéia, Bitínia (comarca da Ásia Menor no Ponto Euxino), perto de Constantinopla, no ano 325. A posteridade o conhece como o primeiro Concílio Ecumênico do Cristianismo, ou seja, universal. Declarou que o Filho é da mesma substância que o Pai, em oposição a Ário, que considerava o Filho de substância distinta a do Pai.

Primero grande concílio ecumênico
Assistiram ao redor de uns trezentos bispos, alguns dizem que 318, a maioria deles era da parte oriental do Império Romano. Paradoxalmente este Concílio não foi convocado por apóstolos, bispos ou líderes representantes da Igreja, mas sim pelo imperador Constantino, quem, apesar de que nem sequer estava batizado, se fazia chamar bispo de bispos, mas que em matéria religiosa, no fundo não era senão o Pontifex Maximus da religião imperial, como um precursor do papado romano, mas que convocava este concilio por razões políticas, para proteger a unidade do Império ameaçada pelo arianismo*(1).
*(1) "Constantino compartilhava os sentimentos pagãos de seu tempo e de seus vassalos. Apreciava o monoteísmo cristão mas a pessoa de Cristo não lhe preocupava em demasia. Para ele, como para tantos cidadãos romanos, o Evangelho não era mais que um monoteísmo pagão. Daí que as discussões cristológicas fossem tidas como um problema de palavras. Mas, se seu interesse teológico era escasso, não era assim sua preocupação política pela unidade da Cristandade que ele acreditava proteger e da qual, em realidade, servia-se para seus projetos imperiais de unificação. O estado romano queria tratar com uma só organização do Igrejas e não com um número incontável de seitas". José Grau. Catolicismo Romano: Orígenes e desenvolvimento. EEE. Barcelona. 1965.
Constantino tinha posto fim a mais de dois séculos de perseguições contra a Igreja, mediante o Decreto de Tolerância promulgado junto com o Licínio em Milão em 313. Silvestre, o bispo de Roma, não pôde assistir por causa de sua longevidade, mas se fez representar por dois presbíteros. Eusébio da Cesaréia, o conspícuo historiador eclesiástico, em sua "Vida do Constantino" nos narra o seguinte:
«Ali se reuniram os mais distinguidos ministros de Deus, da Europa, Líbia [ou seja, África] e Ásia. Uma só casa de oração, como se tivesse sido ampliada por obra de Deus, cobria a sírios e cilícios, fenícios e árabes, delegados da Palestina e do Egito, tebanos e líbios, junto aos que vinham da região da Mesopotâmia. Havia também um bispo persa, e tampouco faltava um Cita na assembléia. O Ponto, Galácia, Panfília, Capadócia, Ásia e Frígia enviaram a seus bispos mais distinguidos, junto aos que viviam nas zonas mais recônditas da Trácia, Macedônia, Acaia e o Épiro. Até da própria Espanha, alguém de grande fama [Osio do Córdoba] sentou-se como membro da grande assembléia. O bispo da cidade imperial [Roma] não pôde assistir devido a sua avançada idade, mas seus presbíteros o representaram. Constantino é o primeiro príncipe de todas as idades em ter juntado semelhante grinalda mediante o vínculo da paz, e haver a apresentado a seu Salvador como oferenda de gratidão pelas vitórias que tinha obtido sobre todos seus inimigos».

Ao surgir a controvérsia arriana, isso ameaçava o desmembramento da Igreja, a qual por ser a instituição mais forte no mundo mediterrâneo, punha em perigo a unidade do Império. Por intermediação do Ósio do Córdoba, seu conselheiro em assuntos eclesiásticos, Constantino tinha escrito aos implicados nesta controvérsia: Ário, presbítero na Alexandria desde ano 313 d. C., e seu oponente inicial Alexandre, na ocasião bispo da mesma cidade, convidando-os a arrumar suas diferenças, sem que nisso tivesse êxito.
Então determinou convocar o concílio ecumênico, fazendo que o Estado pagasse todos os gastos, pondo o posto imperial a serviço dos bispos ali reunidos; e sendo um simples catecúmeno, foi quem presidiu a assembléia em sua sessão inaugural, tomando parte ativa em todas as deliberações. Poderia um curtido e sagaz político, versado guerreiro e importante administrador da coisa pública, sem experiências nas controvérsias teológicas e filosóficas, apreciar a profunda importância do que se disputava em questões cristológicas? Pelo contexto da carta que tinha enviado a Ário e Alexandre, conhece-se que para Constantino o motivo da disputa "era de caráter realmente insignificante".

Antecedentes e primeiras causas do arianismo

Quais tinham sido as raízes e fontes das quais Ário tomou essas idéias heréticas causadoras da controvérsia que motivava o Concílio da Nicea? Em primeiro lugar terá que ter em conta que na Antioquia, onde posteriormente estudou Ário, no ano 260 foi nomeado bispo o heresiarca Paulo da Samósata, o mais famoso e conspícuo expoente dos monarquistas racionalistas de seu tempo, quem foi condenado em um sínodo reunido na Antioquia entre os anos 260 e 268, por sustentar que o Senhor Jesus era um homem ordinário no qual habitou o Verbo impessoal, negando por conseguinte a divindade de Jesus Cristo, de quem dizia que era superior ao Moisés, mas não era o Verbo de Deus. Como todos os monarquistas*(1) racionalistas, Paulo Samósata negava a deidade de Cristo, pois negava a personalidade do Logo e do Espírito Santo, lhes considerando meras forças ou poderes de Deus, como são a mente e a razão do homem. Samósata acreditava em uma trindade puramente nominal; ou seja, não acreditava na pluralidade de Pessoas na Deidade, senão que aceitava somente uma trindade econômica. A Trindade econômica se entende como um triplo modo de revelação de Deus na história.*(2) Ali afunda suas raízes o arianismo.

*(1) Os monarquistas eram grupos antitrinitários que surgiram durante o século III. Também eram chamados unitários acaso por causa da excessiva ênfase que lhe davam à unidade numérica e pessoal da Deidade.

*(2) Tenhamos em conta que se negarmos a Trindade de Pessoas em Deus (Pai, Filho e Espírito Santo), dificilmente poderíamos compreender a trindade econômica. Na economia de Deus (Seu plano eterno, Seu propósito, a administração de Sua casa), em todos os tempos e atividades de Deus intervieram as três Pessoas da Deidade, mas especificamente nos revela que o Pai principalmente interveio na criação, o Filho na redenção, e o Espírito Santo na santificação e preparação da Igreja, assim como na execução da vontade de Deus. Deus o Pai é a fonte universal de todas as coisas, e Ele tem o propósito de habitar em Sua Igreja como Sua casa, mas para poder habitar dentro de nós foi necessário que Seu Filho se encarnasse em humanidade e nos redimisse na cruz e ressuscitasse, e mesmo assim, para que o Pai e o Filho possam morar em nós (a Igreja, Seu corpo) é necessário que seja por meio de Seu Santo Espírito, quem lhe reparte vida à Igreja. Todo o propósito de Deus se desenvolve do Pai, no Filho e mediante o Espírito.

Recorde-se além que os cristãos fizeram apropriações substanciais da filosofia grega, sobre tudo do estoicismo e do neoplatonismo, contribuição que entrou através de muitos condutos, como Clemente de Alexandria, Ambrósio de Milão, o judeu helenista Filo, Justino Mártir, Orígenes e mais tarde pelo Agostinho de Hipona e nos escritos levam o nome do Dionísio o Areopagita. a respeito dessa contribuição quero esclarecer que o termo Logo, usado extensamente pelos cristãos quando se trata de Cristo em relação com Deus, veio da filosofia grega, tanto pelo estoicismo como pelo platonismo, e mais tarde usado pelo neoplatonismo.

A partir dos ensinos de Orígenes, com o tempo se foram criando no cristianismo duas correntes de pensamento filósofo teológicas. Uma das correntes se apoiava no ensino de Orígenes no sentido de que Cristo é o unigênito Filho de Deus, e que como Deus o Pai tinha existido sempre, a conclusão era que o Pai jamais teria podido existir sem ter engendrado ao Filho, sendo assim o Filho coeterno com o Pai, tendo existido, então, antes de toda a criação. Esta corrente dava suma importância à verdade de que Cristo é o Filho de Deus, a Sabedoria e o Logos (Palavra) de Deus, afirmando que eternamente o tinha sido, e que o Logos, conseqüentemente, era igual ao Pai.

A outra corrente surgiu pela idéia de que também ao parecer Orígenes tinha afirmado que Cristo é uma criatura, e em relação com o Pai, o Filho é secundário e subordinado, fazendo esta corrente de pensamento ênfase nessa subordinação. Um expoente importante desta segunda corrente é Dionísio, chamado o Grande (264), discípulo de Orígenes, bispo da igreja em Alexandria e diretor da escola catequística na mesma cidade. Em princípio se acredita que Dionísio era um erudito, de caráter moderado e conciliador, pregando à maturação contra o sabelianismo, heresia que estava tomando força em sua diocese. tratava-se de uma escola teológica que considerava o Pai, o Filho e o Espírito Santo, não como três pessoas distintas de um mesmo e trino Deus, mas sim como aspectos ou formas de Deus. Dionísio em sua dissensão dessa linha de pensamento, dava ênfase à distinção do Filho como pessoa, com a conotação de que o Pai tivesse criado o Filho, e lógicamente esta subentendido que houve um tempo quando o Filho ainda não existia, e logo que o Filho estava subordinado ao Pai.
Aquilo teve sua transcendência e transpassou as fronteiras do Norte da África. Por essa época, seu amigo chamado também Dionísio, bispo de Roma, atravessou no assunto e por escrito lhe advertia que tivesse muito cuidado no uso da linguagem nesse espinhoso e delicado tema de cristologia, pois o Filho era homoóusion, que significa do mesmo ser essencial ou substancial que o Pai e não simplesmente homoúsion, que significa, de substância similar. Parece que nada trocou no modo de pensar do Dionísio de Alexandria.

além dessa importante contribuição ao viveiro de idéias precedentes ao arianismo, também encontramos outro meio de dispersão desta segunda corrente pelo lado da Antioquia, onde o presbítero Luciano, ardente estudante da Bíblia e de teologia, discípulo que tinha sido também do Orígenes, ensinava estes princípios cristológicos, e entre seus discípulos estavam Ário de Alexandria e Eusébio da Nicomédia. Luciano da Antioquia apoiava seu ensino cristológico nas teorias adopcionistas do Paulo da Samósata. Aqueles ensinos fizeram de Ário o centro de uma não pequena controvérsia, a qual levou até o presbitério da igreja em Alexandria, enfrentando-se com Alexandre, seu bispo. Ário sustentava que o Filho tem princípio, mas que Deus é sem princípio e que o Filho não é uma parte de Deus, é engendrado, criado pelo Pai, e extremava tanto a diferença entre as pessoas do Pai e do Filho, até o ponto de negar a divindade do Filho, de maneira que sustentava que Cristo era de uma substância diferente a do Pai e, portanto, não era Deus no sentido estrito da Palavra. Mas, o que diz a Palavra?
" No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." (João 1:1)." E o Verbo se fez carne" (João 1:14).
"2 ( Deus) nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.3 Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas," (Hebreus 1:2-3).

Ário dizia que o Pai é o único ser realmente eterno, e que o Filho não existia antes de ser engendrado, em contraposição com Atanásio e os sínodos e concílios ortodoxos, os quais sustentavam que o Filho é coeterno, igual e consubstancial ao Pai. O arianismo pretende dar uma explicação racional do dogma cristão da Trindade, dizendo que Cristo é Filho por denominação e adoção e não por natureza, sendo assim a mais perfeita das criaturas. Vemos que a cristologia de Ário era semelhante ao estrito monoteísmo unipessoal dos monarquianos. Para sustentar sua cristologia se fixavam unicamente em versículos bíblicos isolados como Provérbios 8:22, Romanos 8:29 e Colossenses 1:15, sem que jamais tivessem em conta a suma da Revelação proposicional que irrompe na história, cujos alicerces escriturais se cristalizam no testemunho dos apóstolos do Senhor Jesus.

Conforme o João 1:18,*(3) Cristo era o Filho unigênito de Deus da eternidade (1 João 4:9;*(4) João 1:14; 3:16 *(5); mas Sua divindade tomou carne e se fez homem, e passou pela morte e ressuscitou, e ao ressuscitar nasceu como o Filho primogênito de Deus (Atos 13:33), pois a ressurreição de Cristo produziu a ressurreição de todos Seus crentes (1 Pedro 1:3), e foram gerados junto com Ele, no novo homem, para que Ele fosse o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8:29).

*3 " Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou" (João 1:18). Nos manuscritos mais antigos, ao invés de “unigênito Filho”, diz “o unigênito Deus.”
*(4) Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele." (1 João 4:9).
*(5) " Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." (João 3:16).


O arianismo se popularizou entre um grande setor da sociedade, em especial daquele conglomerado curioso, que sem ser realmente convertidos, encheram os templos; pois o cristianismo se pôs de moda depois da "conversão" do Constantino. Para muitas dessas pessoas, o arianismo lhes dava a oportunidade de treinar-se nos meios cristãos sem que necessariamente se desprendessem de seu antigo modo de pensar pagão. O bispo Alexandre, talvez animado pelo zelo do diácono Atanásio, seu jovem secretário, tinha reunido no ano 321 em um sínodo em Alexandria aos bispos procedentes do Egito e Líbia, e fez que Ário e seus amigos fossem anatematizados e depostos. Mas como o assunto seguiu estendendo-se, foi necessário levá-lo até o concílio da Nicéia, pois Ário, depois de ter sido excomungado, deu-se à tarefa de difundir suas crenças em qualquer lugar que tivesse uma audiência, conseguindo adeptos não só no Egito, mas também também na Síria, Palestina e outras regiões.

O Concílio

Sua sessão inaugural se levou a cabo em 20 de maio, e depois de uns contatos preliminares entre ortodoxos e arianos, a abertura formal se protocolizou com um discurso pronunciado por Constantino. A presidência das sessões foi confiada ao bispo Ósio do Córdoba. Quando o Concílio abordou o escabroso tema principal estourou uma violenta controvérsia entre os conciliares. diz-se que a maioria dos concorrentes não tinha tomado partido algum frente ao assunto. Muitos deles se lamentavam do surgimento desta controvérsia entre os alexandrinos Ário e Alexandre, em momentos em que a Igreja tinha alcançado tempos de paz em todo o território imperial. Ário era apoiado por uma pequena minoria de convencidos, dos quais o mais proeminente era seu antigo condiscípulo Eusébio de Nicomédia. Mas esclarecemos que
Ário não era bispo, de maneira que não podia participar das deliberações do concílio.

Deste modo Alexandre era seguido inicialmente por uma decidida minoria convencida que as doutrinas de Ário eram de condenar, pelo dano que lhe estavam causando à Igreja, entre os quais se contava o jovem Atanásio, quem atuava de diácono e secretário do bispo Alexandre, e quem chegou a lhe suceder como bispo do Alexandria. distinguia-se Atanásio por seus conhecimentos, sua eloqüência e profundo zelo, e por ser um dos mais fortes opositores de Ário. Definitivamente o defensor mais proeminente da posição nicena foi Atanásio. Atanásio de Alexandria sustentava a revelação bíblica de que Cristo tinha as duas naturezas, a divina e a humana; de maneira que era verdadeiro Deus e verdadeiro homem; dizia que Cristo foi feito homem para que nós pudéssemos ser feitos a imagem Dele; ou dito de outra maneira, que Cristo participou de nossa natureza humana, para que nós pudéssemos participar de Sua natureza divina. Deste modo punha muita ênfase na salvação dos homens, explicando que mediante a salvação, resgata ao homem da mortalidade que lhe trouxe o pecado, à participação da natureza divina.

Um muito pequeno terceiro grupo se inclinava pelo patripassionismo,*(6) ou doutrina segundo a qual o Pai é o Filho revelado em carne, de maneira que o Pai se autolimitou, fazendo-se homem e sofrendo a morte na cruz do Calvário, e que o Filho era uma manifestação do Pai. Práxeas, Noeto de Esmirna e seus seguidores não puderam distinguir entre pessoa e essência, e por essa confusão insistiam em chamar triteístas (supostamente os que acreditam em três deuses) a todos os ortodoxos. Este ponto de vista também foi condenado depois.

*(6) O patripassionismo é o mesmo monarquismo modalista, cujo principal expoente é Práxeas, procedente da Ásia Menor, e que viveu em Roma nos tempos do imperador Marco Aurélio (161-180). Tertuliano disse de Práxeas que tinha crucificado ao Pai e anulado ao Espírito Santo. Tenhamos em conta que trinitarianismo não é o mesmo que triteísmo. Em Deus uma é a essência; três são as pessoas dessa única essência. Paulo de Samósata, Práxeas, Sabélio e todos seus seguidores na história não puderam harmonizar o que revela a Bíblia a respeito.

Uma quarta e moderada tendência era a assumida por Eusébio, bispo do Cesaréia e grande historiador da Igreja de seu tempo. Eusébio se contava entre os bispos que ansiavam obter uma posição conciliatória. Por outro lado, tinha assumido uma posição contrária ao sabelianismo e a isto se devia sua sutil inclinação para os arianos. Não obstante sugeriu que o concílio aprovasse o credo que estava em uso em Cesaréia, e que tinha sido usado por seus antecessores no episcopado cesareiano e as comunidades da Palestina, o qual serviu de base para o que após se conheceu como o Credo Niceno. O texto do Credo de Cesaréia apresentado por Eusébio é o seguinte:

"Cremos em um Deus, Pai Onipotente, criador de todas as coisas, das visíveis e das invisíveis; e em um Senhor, Jesus Cristo, a palavra (Logos) de Deus. Deus de Deus, luz de luz, vida de vida, o Filho Unigênito, o primogênito de toda a criação, engendrado do Pai desde antes de todos os tempos, por quem também foram feitas todas as coisas. Quem por nossa salvação foi feito carne e habitou entre os homens; e quem sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, e subiu ao Pai e virá outra vez em glória para julgar aos vivos e aos mortos. Cremos também em um só Espírito Santo".

Uma das primeiras intervenções seguramente foi a de Eusébio de Nicomédia, paladino do partido ariano e grande convencido das doutrinas que sustentavam, a tal ponto que narram que se sentia muito seguro de que logo que os conciliares escutassem sua exposição, aprovariam sem reparo as doutrinas arianas. Mas quando aqueles bispos escutavam que o Filho, o Senhor Jesus Cristo, o Verbo de Deus, não era a não ser uma criatura -não importa que fosse a mais exaltada das criaturas-, toda aquela diatribe a receberam como o pior dos insultos ao centro neurálgico de sua fé, até tal ponto que muitos deles fizeram calar ao orador aos gritos de "blasfêmia", "mentira", "heresia", e alguns arrancaram os papéis do discurso de Eusébio da Nicomédia, fazendo-os em pedaços e pisoteando-os. A partir desse momento todo mudou no Concílio, e a assembléia chegou ao consenso majoritário de condenar por heréticas as doutrinas expostas pelo porta-voz de Ário.

O Credo dos Apóstolos

Como é de supor, os congressistas tentaram rebater e condenar as doutrinas arianas com o uso de entrevistas bíblicas, mas os seguidores da escola ariana (até nossos contemporâneos os chamados "Testemunhas de Jeová", costumam interpretar a Bíblia a seu emprego, como melhor lhes convenha), e com a aprovação do Imperador, decidiram aceitar e modificar o Credo apresentado pelas comunidades da Palestina com o Eusébio do Cesaréia à cabeça, lhe acrescentando a palavra homoóusion (consubstancial) referida a Cristo, ficando assim o Credo da Nicéia:

"cremos em um só Deus Pai Onipotente, criador de todas as coisas, as visíveis e as invisíveis; e em um só Senhor, Jesus Cristo, o Filho de Deus, o unigênito do Pai, quer dizer, da substância (ousías) do Pai, Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado, de uma substância (homoóusion) com o Pai, por meio de quem todas as coisas foram feitas, as coisas que estão no céu e as coisas que estão sobre a terra, quem por nós os homens e por nossa salvação desceu à terra e foi feito carne e habitou entre os homens, padeceu, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e deverá julgar aos vivos e aos mortos; e no Espírito Santo".
Esclarecemos que em seu momento a este Credo Niceno inicialmente tinha sido acrescentado um parágrafo de anátemas, mas que logo foi tirado, e que transcrevemos a maneira de informação: "A quem diga, pois, que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, e que antes de ser gerado não era, e que o Filho de Deus foi feito das coisas que não são, ou que foi formado de outra substância ou essência que o Pai, ou que é uma criatura, ou que é mutável ou variável; a estes anatematiza a igreja universal". Havendo lhe acrescentado com o tempo várias cláusulas, este credo veio a ser então o mais aceito pela igreja, chamado também "Credo dos Apóstolos" pelo fato de ter sido originado entre as Igrejas ocidentais do Império, cujo centro era Roma, onde desde esses tempos se adotavam sucessória apostólica.
Se analisarmos um pouco o Credo Niceno, salta a primeira vista que se trata de um documento eminentemente cristo-cêntrico, destinado a excluir toda doutrina que ensine que o Verbo é em alguma forma uma criatura. A palavra Logos que puderam empregar os arianos, foi substituída pela palavra Filho, enfatizando-a com "unigênito", palavra que encerre a idéia de que foi gerado de uma maneira diferente a dos filhos de Deus por adoção, e as contundentes afirmações: "Deus de Deus; luz de luz"; e em vez de "vida de vida", foi substituído por "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro", de modo que descartasse qualquer equívoco. Muito significativo e de muita importância foi ter inserido a palavra homoóusion (consubstancial ao Pai), destruindo assim o ponto essencial de diferença entre as tendências controversais, pois Cristo não é feito de um nada como as criaturas. Nas demais orações encontram que "desceu", e logo "subiu ao Pai" para dar a entender que Cristo tinha estado com Deus e a Ele retornou, depois de ter sido feito carne, crescido e vivido sua humanidade como verdadeiro homem.
A maioria dos bispos conciliares assinaram o credo, como expressão de sua fé e em resposta ao arremesso ariano. Dezessete bispos se negaram a aceitar a decisão da maioria, mas ao inteirar-se de que Constantino aprovava o credo, só dois, finalmente, recusaram aceitá-lo, e um deles foi Eusébio de Nicomédia, quem foi rebatidos, condenados e depostos por hereges pelo Concílio, e, além disso, foram sentenciados ao exílio pelo próprio Constantino. Este credo Niceno por muito tempo levou o nome de Atanásio, pois embora que pôde ser seu redator, pelo menos foi seu principal advogado. Embora se diz que em toda a controvérsia havia pouco do espírito do Jesus, entretanto, em Nicéia, sem dúvida, estava-se evidenciando que o eterno Deus era nosso Salvador na pessoa de seu Filho, e que para ser esse Redentor foi necessário haver-se feito homem. O credo foi assinado e se foi abrindo acontecendo paulatinamente como uma evidência daquele fato histórico de tremenda significação, a encarnação de Cristo, sua morte, ressurreição e gloriosa ascensão ao Pai. Esta afirmação de que Jesus o Cristo era o verdadeiro Deus feito homem, fazia da fé cristã algo único e diferente de qualquer outra corrente religiosa.

Sendo o Senhor Jesus o fundamento e pedra angular da Igreja, a casa de Deus, é compreensível que a primeira das grandes controvérsias que se debateram na história em torno da Igreja, seja precisamente o relacionado com cristologia. Deus queria que algo tão fundamental ficasse definido dos começos. É paradoxal que sendo o Concílio de Nicéia quem definisse tão acertadamente a natureza metafísica do Senhor Jesus Cristo, não obstante há quem opine que o concílio estava longe de entender a doutrina cristológica em toda sua amplitude, e que se demonstra no fato de ter excomungado a todos os cristãos orientais porque continuavam celebrando a Páscoa de Ressurreição de acordo ao cômputo judaico, sem adotar o costume romano. Embora mais tarde o arianismo experimentou um ressurgimento, entretanto, há consenso no sentido de que o Concílio de Nicéia contribuiu pra um melhor entendimento e convicção na Igreja quanto à relação do Jesus Cristo com Deus, dando ênfase no caráter único e peculiar do Senhor Jesus.
É de suma importância deste modo demarcar que com o Concílio de Nicéia se inicia na história o fato segundo o qual o estado intervém nos assuntos internos da Igreja, e pior até, para assegurar a ortodoxia da doutrina e o destino de seus membros. O concílio da Nicéia, calcando a administração civil imperial, estabeleceu o princípio da província eclesiástica, com um bispo metropolitano como superior dos bispos da região, e desta maneira confirmou a preponderância dos bispos de Roma, Alexandria e Antioquia.Aprofundando mais em detalhes, notamos que este concílio concedeu ao bispo de Roma uma posição de supremacia na Itália, semelhante à outorgada ao bispo do Alexandria no Egito, Líbia e Pentápolis. Logo no sínodo da Sárdica outorga ao de Roma um privilégio único no Ocidente, embora ainda restringido; este privilégio lhe outorga devido às circunstâncias das controvérsias arianas; mas de maneira nenhuma baseados em textos bíblicos, como se fora uma exigência divina, talvez à maneira do Concílio Vaticano I (1869-1870), que arbitrariamente invoca um jure divino e converte ao romano pontífice em juiz de todos os fiéis.