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O CONCÍLIO DE NICÉIA
(I Ecumênico)
Convocado pelo imperador Constantino o Grande. Reunido em Nicéia, Bitínia (comarca da Ásia Menor no Ponto Euxino), perto de Constantinopla, no ano 325. A posteridade o conhece como o primeiro Concílio Ecumênico do Cristianismo, ou seja, universal. Declarou que o Filho é da mesma substância que o Pai, em oposição a Ário, que considerava o Filho de substância distinta a do Pai.
Primero grande concílio ecumênico
Assistiram ao redor de uns trezentos bispos, alguns dizem que 318, a maioria deles era da parte oriental do Império Romano. Paradoxalmente este Concílio não foi convocado por apóstolos, bispos ou líderes representantes da Igreja, mas sim pelo imperador Constantino, quem, apesar de que nem sequer estava batizado, se fazia chamar bispo de bispos, mas que em matéria religiosa, no fundo não era senão o Pontifex Maximus da religião imperial, como um precursor do papado romano, mas que convocava este concilio por razões políticas, para proteger a unidade do Império ameaçada pelo arianismo*(1).
*(1) "Constantino compartilhava os sentimentos pagãos de seu tempo e de seus vassalos. Apreciava o monoteísmo cristão mas a pessoa de Cristo não lhe preocupava em demasia. Para ele, como para tantos cidadãos romanos, o Evangelho não era mais que um monoteísmo pagão. Daí que as discussões cristológicas fossem tidas como um problema de palavras. Mas, se seu interesse teológico era escasso, não era assim sua preocupação política pela unidade da Cristandade que ele acreditava proteger e da qual, em realidade, servia-se para seus projetos imperiais de unificação. O estado romano queria tratar com uma só organização do Igrejas e não com um número incontável de seitas". José Grau. Catolicismo Romano: Orígenes e desenvolvimento. EEE. Barcelona. 1965.
Constantino tinha posto fim a mais de dois séculos de perseguições contra a Igreja, mediante o Decreto de Tolerância promulgado junto com o Licínio em Milão em 313. Silvestre, o bispo de Roma, não pôde assistir por causa de sua longevidade, mas se fez representar por dois presbíteros. Eusébio da Cesaréia, o conspícuo historiador eclesiástico, em sua "Vida do Constantino" nos narra o seguinte:
«Ali se reuniram os mais distinguidos ministros de Deus, da Europa, Líbia [ou seja, África] e Ásia. Uma só casa de oração, como se tivesse sido ampliada por obra de Deus, cobria a sírios e cilícios, fenícios e árabes, delegados da Palestina e do Egito, tebanos e líbios, junto aos que vinham da região da Mesopotâmia. Havia também um bispo persa, e tampouco faltava um Cita na assembléia. O Ponto, Galácia, Panfília, Capadócia, Ásia e Frígia enviaram a seus bispos mais distinguidos, junto aos que viviam nas zonas mais recônditas da Trácia, Macedônia, Acaia e o Épiro. Até da própria Espanha, alguém de grande fama [Osio do Córdoba] sentou-se como membro da grande assembléia. O bispo da cidade imperial [Roma] não pôde assistir devido a sua avançada idade, mas seus presbíteros o representaram. Constantino é o primeiro príncipe de todas as idades em ter juntado semelhante grinalda mediante o vínculo da paz, e haver a apresentado a seu Salvador como oferenda de gratidão pelas vitórias que tinha obtido sobre todos seus inimigos».
Ao surgir a controvérsia arriana, isso ameaçava o desmembramento da Igreja, a qual por ser a instituição mais forte no mundo mediterrâneo, punha em perigo a unidade do Império. Por intermediação do Ósio do Córdoba, seu conselheiro em assuntos eclesiásticos, Constantino tinha escrito aos implicados nesta controvérsia: Ário, presbítero na Alexandria desde ano 313 d. C., e seu oponente inicial Alexandre, na ocasião bispo da mesma cidade, convidando-os a arrumar suas diferenças, sem que nisso tivesse êxito.
Então determinou convocar o concílio ecumênico, fazendo que o Estado pagasse todos os gastos, pondo o posto imperial a serviço dos bispos ali reunidos; e sendo um simples catecúmeno, foi quem presidiu a assembléia em sua sessão inaugural, tomando parte ativa em todas as deliberações. Poderia um curtido e sagaz político, versado guerreiro e importante administrador da coisa pública, sem experiências nas controvérsias teológicas e filosóficas, apreciar a profunda importância do que se disputava em questões cristológicas? Pelo contexto da carta que tinha enviado a Ário e Alexandre, conhece-se que para Constantino o motivo da disputa "era de caráter realmente insignificante".
Antecedentes e primeiras causas do arianismo
Quais tinham sido as raízes e fontes das quais Ário tomou essas idéias heréticas causadoras da controvérsia que motivava o Concílio da Nicea? Em primeiro lugar terá que ter em conta que na Antioquia, onde posteriormente estudou Ário, no ano 260 foi nomeado bispo o heresiarca Paulo da Samósata, o mais famoso e conspícuo expoente dos monarquistas racionalistas de seu tempo, quem foi condenado em um sínodo reunido na Antioquia entre os anos 260 e 268, por sustentar que o Senhor Jesus era um homem ordinário no qual habitou o Verbo impessoal, negando por conseguinte a divindade de Jesus Cristo, de quem dizia que era superior ao Moisés, mas não era o Verbo de Deus. Como todos os monarquistas*(1) racionalistas, Paulo Samósata negava a deidade de Cristo, pois negava a personalidade do Logo e do Espírito Santo, lhes considerando meras forças ou poderes de Deus, como são a mente e a razão do homem. Samósata acreditava em uma trindade puramente nominal; ou seja, não acreditava na pluralidade de Pessoas na Deidade, senão que aceitava somente uma trindade econômica. A Trindade econômica se entende como um triplo modo de revelação de Deus na história.*(2) Ali afunda suas raízes o arianismo.
*(1) Os monarquistas eram grupos antitrinitários que surgiram durante o século III. Também eram chamados unitários acaso por causa da excessiva ênfase que lhe davam à unidade numérica e pessoal da Deidade.
*(2) Tenhamos em conta que se negarmos a Trindade de Pessoas em Deus (Pai, Filho e Espírito Santo), dificilmente poderíamos compreender a trindade econômica. Na economia de Deus (Seu plano eterno, Seu propósito, a administração de Sua casa), em todos os tempos e atividades de Deus intervieram as três Pessoas da Deidade, mas especificamente nos revela que o Pai principalmente interveio na criação, o Filho na redenção, e o Espírito Santo na santificação e preparação da Igreja, assim como na execução da vontade de Deus. Deus o Pai é a fonte universal de todas as coisas, e Ele tem o propósito de habitar em Sua Igreja como Sua casa, mas para poder habitar dentro de nós foi necessário que Seu Filho se encarnasse em humanidade e nos redimisse na cruz e ressuscitasse, e mesmo assim, para que o Pai e o Filho possam morar em nós (a Igreja, Seu corpo) é necessário que seja por meio de Seu Santo Espírito, quem lhe reparte vida à Igreja. Todo o propósito de Deus se desenvolve do Pai, no Filho e mediante o Espírito.
Recorde-se além que os cristãos fizeram apropriações substanciais da filosofia grega, sobre tudo do estoicismo e do neoplatonismo, contribuição que entrou através de muitos condutos, como Clemente de Alexandria, Ambrósio de Milão, o judeu helenista Filo, Justino Mártir, Orígenes e mais tarde pelo Agostinho de Hipona e nos escritos levam o nome do Dionísio o Areopagita. a respeito dessa contribuição quero esclarecer que o termo Logo, usado extensamente pelos cristãos quando se trata de Cristo em relação com Deus, veio da filosofia grega, tanto pelo estoicismo como pelo platonismo, e mais tarde usado pelo neoplatonismo.
A partir dos ensinos de Orígenes, com o tempo se foram criando no cristianismo duas correntes de pensamento filósofo teológicas. Uma das correntes se apoiava no ensino de Orígenes no sentido de que Cristo é o unigênito Filho de Deus, e que como Deus o Pai tinha existido sempre, a conclusão era que o Pai jamais teria podido existir sem ter engendrado ao Filho, sendo assim o Filho coeterno com o Pai, tendo existido, então, antes de toda a criação. Esta corrente dava suma importância à verdade de que Cristo é o Filho de Deus, a Sabedoria e o Logos (Palavra) de Deus, afirmando que eternamente o tinha sido, e que o Logos, conseqüentemente, era igual ao Pai.
A outra corrente surgiu pela idéia de que também ao parecer Orígenes tinha afirmado que Cristo é uma criatura, e em relação com o Pai, o Filho é secundário e subordinado, fazendo esta corrente de pensamento ênfase nessa subordinação. Um expoente importante desta segunda corrente é Dionísio, chamado o Grande (264), discípulo de Orígenes, bispo da igreja em Alexandria e diretor da escola catequística na mesma cidade. Em princípio se acredita que Dionísio era um erudito, de caráter moderado e conciliador, pregando à maturação contra o sabelianismo, heresia que estava tomando força em sua diocese. tratava-se de uma escola teológica que considerava o Pai, o Filho e o Espírito Santo, não como três pessoas distintas de um mesmo e trino Deus, mas sim como aspectos ou formas de Deus. Dionísio em sua dissensão dessa linha de pensamento, dava ênfase à distinção do Filho como pessoa, com a conotação de que o Pai tivesse criado o Filho, e lógicamente esta subentendido que houve um tempo quando o Filho ainda não existia, e logo que o Filho estava subordinado ao Pai.
Aquilo teve sua transcendência e transpassou as fronteiras do Norte da África. Por essa época, seu amigo chamado também Dionísio, bispo de Roma, atravessou no assunto e por escrito lhe advertia que tivesse muito cuidado no uso da linguagem nesse espinhoso e delicado tema de cristologia, pois o Filho era homoóusion, que significa do mesmo ser essencial ou substancial que o Pai e não simplesmente homoúsion, que significa, de substância similar. Parece que nada trocou no modo de pensar do Dionísio de Alexandria.
além dessa importante contribuição ao viveiro de idéias precedentes ao arianismo, também encontramos outro meio de dispersão desta segunda corrente pelo lado da Antioquia, onde o presbítero Luciano, ardente estudante da Bíblia e de teologia, discípulo que tinha sido também do Orígenes, ensinava estes princípios cristológicos, e entre seus discípulos estavam Ário de Alexandria e Eusébio da Nicomédia. Luciano da Antioquia apoiava seu ensino cristológico nas teorias adopcionistas do Paulo da Samósata. Aqueles ensinos fizeram de Ário o centro de uma não pequena controvérsia, a qual levou até o presbitério da igreja em Alexandria, enfrentando-se com Alexandre, seu bispo. Ário sustentava que o Filho tem princípio, mas que Deus é sem princípio e que o Filho não é uma parte de Deus, é engendrado, criado pelo Pai, e extremava tanto a diferença entre as pessoas do Pai e do Filho, até o ponto de negar a divindade do Filho, de maneira que sustentava que Cristo era de uma substância diferente a do Pai e, portanto, não era Deus no sentido estrito da Palavra. Mas, o que diz a Palavra?
" No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." (João 1:1)." E o Verbo se fez carne" (João 1:14).
"2 ( Deus) nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.3 Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas," (Hebreus 1:2-3).
Ário dizia que o Pai é o único ser realmente eterno, e que o Filho não existia antes de ser engendrado, em contraposição com Atanásio e os sínodos e concílios ortodoxos, os quais sustentavam que o Filho é coeterno, igual e consubstancial ao Pai. O arianismo pretende dar uma explicação racional do dogma cristão da Trindade, dizendo que Cristo é Filho por denominação e adoção e não por natureza, sendo assim a mais perfeita das criaturas. Vemos que a cristologia de Ário era semelhante ao estrito monoteísmo unipessoal dos monarquianos. Para sustentar sua cristologia se fixavam unicamente em versículos bíblicos isolados como Provérbios 8:22, Romanos 8:29 e Colossenses 1:15, sem que jamais tivessem em conta a suma da Revelação proposicional que irrompe na história, cujos alicerces escriturais se cristalizam no testemunho dos apóstolos do Senhor Jesus.
Conforme o João 1:18,*(3) Cristo era o Filho unigênito de Deus da eternidade (1 João 4:9;*(4) João 1:14; 3:16 *(5); mas Sua divindade tomou carne e se fez homem, e passou pela morte e ressuscitou, e ao ressuscitar nasceu como o Filho primogênito de Deus (Atos 13:33), pois a ressurreição de Cristo produziu a ressurreição de todos Seus crentes (1 Pedro 1:3), e foram gerados junto com Ele, no novo homem, para que Ele fosse o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8:29).
*3 " Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou" (João 1:18). Nos manuscritos mais antigos, ao invés de “unigênito Filho”, diz “o unigênito Deus.”
*(4) Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele." (1 João 4:9).
*(5) " Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." (João 3:16).
O arianismo se popularizou entre um grande setor da sociedade, em especial daquele conglomerado curioso, que sem ser realmente convertidos, encheram os templos; pois o cristianismo se pôs de moda depois da "conversão" do Constantino. Para muitas dessas pessoas, o arianismo lhes dava a oportunidade de treinar-se nos meios cristãos sem que necessariamente se desprendessem de seu antigo modo de pensar pagão. O bispo Alexandre, talvez animado pelo zelo do diácono Atanásio, seu jovem secretário, tinha reunido no ano 321 em um sínodo em Alexandria aos bispos procedentes do Egito e Líbia, e fez que Ário e seus amigos fossem anatematizados e depostos. Mas como o assunto seguiu estendendo-se, foi necessário levá-lo até o concílio da Nicéia, pois Ário, depois de ter sido excomungado, deu-se à tarefa de difundir suas crenças em qualquer lugar que tivesse uma audiência, conseguindo adeptos não só no Egito, mas também também na Síria, Palestina e outras regiões.
O Concílio
Sua sessão inaugural se levou a cabo em 20 de maio, e depois de uns contatos preliminares entre ortodoxos e arianos, a abertura formal se protocolizou com um discurso pronunciado por Constantino. A presidência das sessões foi confiada ao bispo Ósio do Córdoba. Quando o Concílio abordou o escabroso tema principal estourou uma violenta controvérsia entre os conciliares. diz-se que a maioria dos concorrentes não tinha tomado partido algum frente ao assunto. Muitos deles se lamentavam do surgimento desta controvérsia entre os alexandrinos Ário e Alexandre, em momentos em que a Igreja tinha alcançado tempos de paz em todo o território imperial. Ário era apoiado por uma pequena minoria de convencidos, dos quais o mais proeminente era seu antigo condiscípulo Eusébio de Nicomédia. Mas esclarecemos que
Ário não era bispo, de maneira que não podia participar das deliberações do concílio.
Deste modo Alexandre era seguido inicialmente por uma decidida minoria convencida que as doutrinas de Ário eram de condenar, pelo dano que lhe estavam causando à Igreja, entre os quais se contava o jovem Atanásio, quem atuava de diácono e secretário do bispo Alexandre, e quem chegou a lhe suceder como bispo do Alexandria. distinguia-se Atanásio por seus conhecimentos, sua eloqüência e profundo zelo, e por ser um dos mais fortes opositores de Ário. Definitivamente o defensor mais proeminente da posição nicena foi Atanásio. Atanásio de Alexandria sustentava a revelação bíblica de que Cristo tinha as duas naturezas, a divina e a humana; de maneira que era verdadeiro Deus e verdadeiro homem; dizia que Cristo foi feito homem para que nós pudéssemos ser feitos a imagem Dele; ou dito de outra maneira, que Cristo participou de nossa natureza humana, para que nós pudéssemos participar de Sua natureza divina. Deste modo punha muita ênfase na salvação dos homens, explicando que mediante a salvação, resgata ao homem da mortalidade que lhe trouxe o pecado, à participação da natureza divina.
Um muito pequeno terceiro grupo se inclinava pelo patripassionismo,*(6) ou doutrina segundo a qual o Pai é o Filho revelado em carne, de maneira que o Pai se autolimitou, fazendo-se homem e sofrendo a morte na cruz do Calvário, e que o Filho era uma manifestação do Pai. Práxeas, Noeto de Esmirna e seus seguidores não puderam distinguir entre pessoa e essência, e por essa confusão insistiam em chamar triteístas (supostamente os que acreditam em três deuses) a todos os ortodoxos. Este ponto de vista também foi condenado depois.
*(6) O patripassionismo é o mesmo monarquismo modalista, cujo principal expoente é Práxeas, procedente da Ásia Menor, e que viveu em Roma nos tempos do imperador Marco Aurélio (161-180). Tertuliano disse de Práxeas que tinha crucificado ao Pai e anulado ao Espírito Santo. Tenhamos em conta que trinitarianismo não é o mesmo que triteísmo. Em Deus uma é a essência; três são as pessoas dessa única essência. Paulo de Samósata, Práxeas, Sabélio e todos seus seguidores na história não puderam harmonizar o que revela a Bíblia a respeito.
Uma quarta e moderada tendência era a assumida por Eusébio, bispo do Cesaréia e grande historiador da Igreja de seu tempo. Eusébio se contava entre os bispos que ansiavam obter uma posição conciliatória. Por outro lado, tinha assumido uma posição contrária ao sabelianismo e a isto se devia sua sutil inclinação para os arianos. Não obstante sugeriu que o concílio aprovasse o credo que estava em uso em Cesaréia, e que tinha sido usado por seus antecessores no episcopado cesareiano e as comunidades da Palestina, o qual serviu de base para o que após se conheceu como o Credo Niceno. O texto do Credo de Cesaréia apresentado por Eusébio é o seguinte:
"Cremos em um Deus, Pai Onipotente, criador de todas as coisas, das visíveis e das invisíveis; e em um Senhor, Jesus Cristo, a palavra (Logos) de Deus. Deus de Deus, luz de luz, vida de vida, o Filho Unigênito, o primogênito de toda a criação, engendrado do Pai desde antes de todos os tempos, por quem também foram feitas todas as coisas. Quem por nossa salvação foi feito carne e habitou entre os homens; e quem sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, e subiu ao Pai e virá outra vez em glória para julgar aos vivos e aos mortos. Cremos também em um só Espírito Santo".
Uma das primeiras intervenções seguramente foi a de Eusébio de Nicomédia, paladino do partido ariano e grande convencido das doutrinas que sustentavam, a tal ponto que narram que se sentia muito seguro de que logo que os conciliares escutassem sua exposição, aprovariam sem reparo as doutrinas arianas. Mas quando aqueles bispos escutavam que o Filho, o Senhor Jesus Cristo, o Verbo de Deus, não era a não ser uma criatura -não importa que fosse a mais exaltada das criaturas-, toda aquela diatribe a receberam como o pior dos insultos ao centro neurálgico de sua fé, até tal ponto que muitos deles fizeram calar ao orador aos gritos de "blasfêmia", "mentira", "heresia", e alguns arrancaram os papéis do discurso de Eusébio da Nicomédia, fazendo-os em pedaços e pisoteando-os. A partir desse momento todo mudou no Concílio, e a assembléia chegou ao consenso majoritário de condenar por heréticas as doutrinas expostas pelo porta-voz de Ário.
O Credo dos Apóstolos
Como é de supor, os congressistas tentaram rebater e condenar as doutrinas arianas com o uso de entrevistas bíblicas, mas os seguidores da escola ariana (até nossos contemporâneos os chamados "Testemunhas de Jeová", costumam interpretar a Bíblia a seu emprego, como melhor lhes convenha), e com a aprovação do Imperador, decidiram aceitar e modificar o Credo apresentado pelas comunidades da Palestina com o Eusébio do Cesaréia à cabeça, lhe acrescentando a palavra homoóusion (consubstancial) referida a Cristo, ficando assim o Credo da Nicéia:
"cremos em um só Deus Pai Onipotente, criador de todas as coisas, as visíveis e as invisíveis; e em um só Senhor, Jesus Cristo, o Filho de Deus, o unigênito do Pai, quer dizer, da substância (ousías) do Pai, Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado, de uma substância (homoóusion) com o Pai, por meio de quem todas as coisas foram feitas, as coisas que estão no céu e as coisas que estão sobre a terra, quem por nós os homens e por nossa salvação desceu à terra e foi feito carne e habitou entre os homens, padeceu, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e deverá julgar aos vivos e aos mortos; e no Espírito Santo".
Esclarecemos que em seu momento a este Credo Niceno inicialmente tinha sido acrescentado um parágrafo de anátemas, mas que logo foi tirado, e que transcrevemos a maneira de informação: "A quem diga, pois, que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, e que antes de ser gerado não era, e que o Filho de Deus foi feito das coisas que não são, ou que foi formado de outra substância ou essência que o Pai, ou que é uma criatura, ou que é mutável ou variável; a estes anatematiza a igreja universal". Havendo lhe acrescentado com o tempo várias cláusulas, este credo veio a ser então o mais aceito pela igreja, chamado também "Credo dos Apóstolos" pelo fato de ter sido originado entre as Igrejas ocidentais do Império, cujo centro era Roma, onde desde esses tempos se adotavam sucessória apostólica.
Se analisarmos um pouco o Credo Niceno, salta a primeira vista que se trata de um documento eminentemente cristo-cêntrico, destinado a excluir toda doutrina que ensine que o Verbo é em alguma forma uma criatura. A palavra Logos que puderam empregar os arianos, foi substituída pela palavra Filho, enfatizando-a com "unigênito", palavra que encerre a idéia de que foi gerado de uma maneira diferente a dos filhos de Deus por adoção, e as contundentes afirmações: "Deus de Deus; luz de luz"; e em vez de "vida de vida", foi substituído por "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro", de modo que descartasse qualquer equívoco. Muito significativo e de muita importância foi ter inserido a palavra homoóusion (consubstancial ao Pai), destruindo assim o ponto essencial de diferença entre as tendências controversais, pois Cristo não é feito de um nada como as criaturas. Nas demais orações encontram que "desceu", e logo "subiu ao Pai" para dar a entender que Cristo tinha estado com Deus e a Ele retornou, depois de ter sido feito carne, crescido e vivido sua humanidade como verdadeiro homem.
A maioria dos bispos conciliares assinaram o credo, como expressão de sua fé e em resposta ao arremesso ariano. Dezessete bispos se negaram a aceitar a decisão da maioria, mas ao inteirar-se de que Constantino aprovava o credo, só dois, finalmente, recusaram aceitá-lo, e um deles foi Eusébio de Nicomédia, quem foi rebatidos, condenados e depostos por hereges pelo Concílio, e, além disso, foram sentenciados ao exílio pelo próprio Constantino. Este credo Niceno por muito tempo levou o nome de Atanásio, pois embora que pôde ser seu redator, pelo menos foi seu principal advogado. Embora se diz que em toda a controvérsia havia pouco do espírito do Jesus, entretanto, em Nicéia, sem dúvida, estava-se evidenciando que o eterno Deus era nosso Salvador na pessoa de seu Filho, e que para ser esse Redentor foi necessário haver-se feito homem. O credo foi assinado e se foi abrindo acontecendo paulatinamente como uma evidência daquele fato histórico de tremenda significação, a encarnação de Cristo, sua morte, ressurreição e gloriosa ascensão ao Pai. Esta afirmação de que Jesus o Cristo era o verdadeiro Deus feito homem, fazia da fé cristã algo único e diferente de qualquer outra corrente religiosa.
Sendo o Senhor Jesus o fundamento e pedra angular da Igreja, a casa de Deus, é compreensível que a primeira das grandes controvérsias que se debateram na história em torno da Igreja, seja precisamente o relacionado com cristologia. Deus queria que algo tão fundamental ficasse definido dos começos. É paradoxal que sendo o Concílio de Nicéia quem definisse tão acertadamente a natureza metafísica do Senhor Jesus Cristo, não obstante há quem opine que o concílio estava longe de entender a doutrina cristológica em toda sua amplitude, e que se demonstra no fato de ter excomungado a todos os cristãos orientais porque continuavam celebrando a Páscoa de Ressurreição de acordo ao cômputo judaico, sem adotar o costume romano. Embora mais tarde o arianismo experimentou um ressurgimento, entretanto, há consenso no sentido de que o Concílio de Nicéia contribuiu pra um melhor entendimento e convicção na Igreja quanto à relação do Jesus Cristo com Deus, dando ênfase no caráter único e peculiar do Senhor Jesus.
É de suma importância deste modo demarcar que com o Concílio de Nicéia se inicia na história o fato segundo o qual o estado intervém nos assuntos internos da Igreja, e pior até, para assegurar a ortodoxia da doutrina e o destino de seus membros. O concílio da Nicéia, calcando a administração civil imperial, estabeleceu o princípio da província eclesiástica, com um bispo metropolitano como superior dos bispos da região, e desta maneira confirmou a preponderância dos bispos de Roma, Alexandria e Antioquia.Aprofundando mais em detalhes, notamos que este concílio concedeu ao bispo de Roma uma posição de supremacia na Itália, semelhante à outorgada ao bispo do Alexandria no Egito, Líbia e Pentápolis. Logo no sínodo da Sárdica outorga ao de Roma um privilégio único no Ocidente, embora ainda restringido; este privilégio lhe outorga devido às circunstâncias das controvérsias arianas; mas de maneira nenhuma baseados em textos bíblicos, como se fora uma exigência divina, talvez à maneira do Concílio Vaticano I (1869-1870), que arbitrariamente invoca um jure divino e converte ao romano pontífice em juiz de todos os fiéis.
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